Estou há dias a sentir um peso no meu peito, um sufoco que não me deixa respirar.
Estou a tentar ser forte e lutar para ser a menina boa que todos querem que seja mas ao mesmo tempo eu só quero ser eu sem ser julgada por isso. É o que tento fazer sempre não é? Que os outros se orgulhem de mim e que vejam que eu consigo estar à altura. Mas eu não estou, eu não sou capaz.
Se me perguntassem no ano passado ou em qualquer dia da minha vida anterior a este momento desde que comecei a ter os meus problemas a resposta seria a mesma. Eu não quero estar aqui, eu quero desparecer. Mas depois começam as questões de magoar a minha família e destruir a vida das pessoas, entre outras. "Tens que pensar nos outros, não podes pensar só em ti."
Honestamente não me lembro de um dia em que eu não pense nos outros. No que posso ou não fazer, no que posso ou não dizer para magoar alguém, para chatear alguém. E estou cansada de fingir e cansada de não poder ser sincera porque tenho medo.
A verdade é esta. Eu tenho uma depressão, eu penso todos os dias em morrer e olhar para o espelho dá-me nojo porque eu detesto a pessoa que sou. Não quero esconder a verdade só porque temos que ter cuidado com o que partilhamos com os outros na internet. Só porque não queremos que pensem que nos estamos a fazer de coitadinhos. Eu não sou nenhuma coitadinha, eu deito-me todos os dias na cama que faço. Mas eu tenho direito a desabafar.
Tenho direito a abrir o meu coração para eliminar um bocadinho que seja do sufoco que vivo todos os dias e que toda a gente me diz que não tenho direito a ter porque tenho uma vida melhor do que muitos que vivem com nada. Desculpem-me se sou assim. Se um dia a minha cabeça decidiu dar um clique e ficar de pernas para o ar. Eu não faço por mal, não faço para vos magoar ou enganar ou manipular ou qualquer coisa de mal que possam achar de mim.
Aprendi há um tempo atrás que quando queremos mudar, a mudança vem de dentro. Mas eu não consigo mostrar resultados de mudança se estou a tentar descobrir o caminho certo no meio de uma estrada cheia de ramificações e cada um que escolho é sempre o errado. Eu tento mudar todos os dias. Ninguém vê, ninguém entende, mas eu tento.
Quando penso que seria melhor estar morta é porque acho que popuaria a muita gente a constante preocupação e desilusão em relação a mim. Desperdicei parte da minha vida a sofrer com algo que não se entende, a ser alguém que é fria e má e não quer estar perto da família.
O meu problema são as pessoas, não é a família. Não posso continuar a sentir-me culpada por me divertir quando saio com amigos e por chegar a casa e refugiar-me no meu canto. Não posso continuar a tentar remar para algum lado enquanto o barco se afunda cada vez mais.
Não, eu não me vou suicidar. E embora tenham medo desta palavra e não gostam de a ouvir, eu sou uma pessoa suicida. Não activamente, porque não estou a planear e a executar esse acto, mas eu penso todos os dias em formas, em momentos, no meu funeral, na roupa que gostaria que me vestissem, nas cartas que precisaria de escrever, nas pessoas que se iriam despedir de mim.
Sei que isto parte o coração a qualquer pessoa que goste de mim e que leia e que ao mesmo tempo provoque raiva e revolta porque eu não aproveito a minha vida mas eu não posso aproveitar algo que sinto que não exista. Os momentos esporádicos em que puxam por mim e me levam a viver e a provar a liberdade fazem-me sentir bem, fazem-me sentir eu. Mas não é por isso que a depressão sai de mim, não é por isso que eu fico magicamente bem. Eu batalho com isto há anos e não é agora que ela se vai embora só porque eu lhe digo.
Não me vale de nada continuar a trabalhar no duro para que as pessoas se orgulhem de mim quando só vêem o mal que eu tenho. Eu não faço nada, eu não ajudo em casa em nada e se ajudar isso não conta porque não é um acto de tentar ser melhor é só uma obrigação. Eu sou má pessoa. Eu aparentemente não gosto da minha família. Eu sou uma vergonha. Eu sou uma desgraça. Eu não presto.
Estou cansada de deixar estas palavras dentro do meu peito a ecoarem vezes e vezes e vezes sem conta, a magoarem-me a tornarem-me cada vez mais fria e revoltada. Não, eu não sou a criança querida e "brilhante" que em tempos fui. Nem nunca mais vou ser. Eu mudei. Eu vi muita coisa acontecer que me fizeram mudar de opinião, que me fizeram tornar naquilo que sou hoje. Eu não sou perfeita, muito pelo contrário eu devo ser uma das pessoas mais estragadas que existem e tenho culpa de tanta coisa que se passa comigo. Tenho culpa de respirar.
Espero que este texto não seja lido por muita gente. Espero que não seja lido por ninguém. Ao contrário do que se pensa criei este blog para poder desabafar à vontade sem tabús, censuras ou floreados. Tenho muito mais para dizer mas a minha cabeça já não funciona mais.
Acabo o meu estágio daqui a dois meses e sinto-me incapaz de cumprir o que esperam de mim. Tenho a vida de pernas para o ar (porque aparentemente sou eu que quero isso) e não consigo fingir mais. Não consigo mentir que estou bem e que se pode ser normal quando não estou e quando não consigo. Eu não sou normal. Eu tenho problemas psicológicos, sérios que não vão passar agora, nem em breve.
Quando me vim embora do hospital para fazer o curso, a minha mãe disse-me que era demasiado cedo e eu devia tê-la ouvido. Não ouvi porque achei que ia orgulhar a minha família e ia arranjar trabalho depressa para poder seguir a minha vida. Mas passei mal durante o meu curso inteiro, voltei a sentir-me o E.T. que sempre senti. Tive ataques de pânico várias vezes e fui gozada por isso, porque achavam que eram birras. As pessoas achavam-me ridícula. Nunca me disseram nada cara mas eu sei que achavam. Mas elas também não sabiam que enquanto se riam de mim eu estava sentada no vão das escadas a olhar para o espaço entre todos os andares e a considerar saltar. Faltou-me a coragem de todas essas vezes. Se calhar não devia ter faltado.
Ou se calhar devia e é suposto eu estar aqui a sofrer e a fazer por mudar, não pela forma que é suposto mas pela forma que para mim me é mais confortável e me faz ver uma saída. Os outros não são os monstros, o monstro aqui sou eu. Sempre fui e se dizem que não fui então eu digo que me tornei. Eu não quis tornar-me num monstro, nunca quis ser como sou, como fui ao longo da minha vida, mas aqui estou eu com quase vinte e seis anos a admitir que eu não sou boa pessoa, que sou fria, que sou antisocial e que sou um monstro.
Tudo para dizer que no fim vou ficar sozinha como sempre disse que ia ficar. Não por culpa dos outros mas por minha. E não tem mal, eu sempre disse em cada discussão que tinha no curso que eu me punha a jeito. Mas também sempre disse que nunca voltaria atrás nas palavras que eu dizia porque isso seria mentir e se eu sentia eu tinha que as dizer. Hoje digo estas palavras porque elas representam os sentimentos mais profundos do meu coração, que é feio, está preto e corrompido.
Mas eu também sou humana. Eu também sinto. E se todos os outros tiveram o direito de errar, de decidir a vida deles e fazer as próprias escolhas então eu também tenho. E eu até posso não conseguir hoje porque me faltam as forças e me faltam as oportunidades mas quando as fizer, não será por isso que sou má. Má já eu sou. Mas deixem-me ser má e livre, sem chatear ninguém. É tão mais fácil assim.
E no fundo peço desculpa às susceptibilidades feridas com as minhas palavras porque efectivamente as palavras doem mas eu também tenho muita dor no meu coração que não é aceite e não é entendida. Eu não peço que ninguém me entenda. Também não peço que ninguém que ajude porque eu sou mulher o suficiente para assumir o que sou, os meus erros e saber erguer-me sozinha.
Achei que depois de tudo o que tinha passado já não havia volta atrás e eu estava verdadeiramente diferente. Mas estava completamente enganada.
Celebrei demasiado cedo, é o que me parece. Aprendi tudo na teoria como uma boa menina e depois na altura de pôr em prática espalhei-me ao comprido e nem sei como. E só tenho a mim própria a quem culpar.
Parece que voltei outra vez ao início e que não sei nada, não entendo nada. Sinto-me perdida.
Mudei a minha vida. Voltei ao activo, estou a lutar por mim e pelo meu futuro mas sinto-me exausta e sinto que não sou capaz. Todos os dias acordo a pensar que vou desistir e depois páro um momento para pensar e decido que vou viver um dia de cada vez.
Tenho errado muito. Todos os dias encontro uma nova maneira de errar e sempre que me empenho em resolver os meus erros e a arranjar formas de melhorar dou por mim a errar novamente e a falhar como sempre falhei. Vocês sabem o meu percurso, vocês entendem que me esforço e que não tenho desistido em melhorar mas quem me conhece só agora e me vê a errar pensa que eu sou apenas uma pessoa imatura, mimada e que quer tudo à sua maneira.
Não culpo ninguém por pensas assim. Há coisas em mim que são irritantes. Coisas que eu faço sem me aperceber que podem fazer qualquer um revirar os olhos. "Lá está ela outra vez". E isso é completamente justificado. Eu não só não me importo como dou razão a quem o fizer porque eu sei que ainda existe tanto para mudar.
Tenho que crescer como pessoa. Tenho que perceber que eu daqui não vou sair e que para ser feliz só posso mudar. Mas há tantas coisas... existe tanto a fazer que eu sinto-me cansada. E pergunto-me muitas vezes se valerá a pena.
Não me quero fazer de vítima para ninguém porque eu só estou na situação em que estou por minha causa. Tenho duas doenças que me acompanham mas não me podem vencer porque eu tenho que lutar contra as duas e agir como uma pessoa normal. Eu gostava tanto de ser uma pessoa normal, sabem?
Daquelas que não fica triste sem razão, que não faz fitas porque não consegue controlar as suas emoções e que não tem filtro nenhum naquilo que diz. Preciso de mudar, é isso.
Mas como?
Não é tão fácil assim mudar e tornar-me uma pessoa completamente diferente quando passei 25 anos da minha vida de uma determinada forma. Já percorri um longo caminho desde que comecei esta viagem toda e sei que progredi consideravelmente mas isto não é o suficiente.
Quero que saibam que, apesar de toda esta tristeza que me faz escrever isto, é importante lutar e esforçarem-se para melhorarem as vossas vidas e saírem de quaisquer buracos em que caiam.
A tristeza faz parte da vida. A dúvida acompanha-nos sempre. É normal eu sentir-me assim mas também é importante que eu neste momento perceba exactamente porque estou assim. É isso que me fará sair do fundo do poço que não é dos mais fundos onde estive.
A vida é uma coisa muito interessante. Vamos sempre pensar se valerá ou não a pena lutar tanto e provavelmente nunca vamos saber mas se não tentarmos é que não chegaremos mesmo a lado nenhum.
Tenho estado sentada à beira do abismo, com os pés a balançar devagarinho.
Os meus olhos estão fechados porque eu não preciso de ver, só preciso de sentir.
Preciso de sentir as minhas mãos no chão onde bocados de pedra se espetam lentamente sem eu dar por isso até que quando percebo já estão bem fundo da minha carne. Preciso de sentir os murros e pontapés que a vida se fartou de me dar enquanto a minha alma recupera das lesões.
Preciso de sentir a dor, o sofrimento, o ódio, a revolta, a depressão. Tenho estado sentada à beira do abismo à espera não sei de quê: se de coragem ou de controlo. Mas todos os dias me vejo ali meio perdida meio encontrada a olhar para a escuridão debaixo dos meus pés, a pensar no monstro lá em baixo.
Agora não quero ver. Sinto o meu peito a abrir e fechar conforme a minha respiração fica mais rápida ou lenta. Não quero prestar atenção às vozes que ecoam na minha cabeça. São os demónios que me querem levar, são os inimigos da minha existência. Aliciam-me com propostas indecentes de não sentir mais dor, dão-me a experimentar a doce droga da felicidade momentânea que me faz lembrar como é estar nas nuvens por uns segundos. Todos sabemos o que acontece com as drogas: toda aquela fantasia nunca é o suficiente. O efeito é curto e queremos mais e mais sem nos preocuparmos com consequências ou com o futuro. O presente é que interessa. Aquela excitação interior, a vontade de sonhar, a euforia de viver e de sentir que posso fazer tudo e que nada nem ninguém neste mundo me pode impedir de vencer.
Nisto a escuridão começa-me a puxar e eu começo a escorregar sem dar por isso. Quando abro os olhos ela pára, o efeito desaparece mas eu já estou pendurada no abismo apenas pelas mãos sem saber como vim aqui parar.
O meu corpo está mole e demasiado pesado. Dói demasiado. Respirar é complicado quando as trevas me sufocam. Não consigo gritar, não me consigo mexer, não consigo fazer nada. Porque é que eu não consigo fazer nada?!
As mãos pareciam aguentar-se mas voltam a escorregar. Eu uso todas as minhas forças para me erguer e às vezes consigo quase deitar-me de volta na beira do abismo. É temporária a sensação de segurança, de sentir que me vou libertar. Eu sei que a escuridão não me larga de maneira alguma e continua a fazer-me cheirar o doce perfume da liberdade. Só que aquilo não é liberdade.
A liberdade só resulta se eu a viver e caindo no abismo não há mais nada para mim.
O vento sopra com força fazendo-me vacilar. A tempestade vem, despeja toda a sua raiva em cima de mim e os meus dedos deslizam.
Se calhar estou a lutar contra o meu destino, se calhar estou a tentar contrariar algo que não devia, estou a tentar fugir de onde pertenço. As vozes gritam que me devo largar, que lá em baixo é maravilhoso, não vou sentir nada, só a doce liberdade.
Então largo-me.
Largo-me sabendo que tomei a decisão certa. Deito uma lágrima por quem deixo mas sorrio sabendo que a paz me espera. Será mesmo a paz? Agora já não importa, já estou a cair.
Estou quase a chegar ao fim, onde - sem eu própria saber - se encontram rochas afiadas prontas a trespassar-me. Não existe paz. Não existe nada. Já não me importa porque a minha decisão foi tomada quando me deixei cair do abismo. Volto a fechar os olhos e espero.
Só que eu nunca chego lá. Bem antes de tocar no fundo existe algo que me apanha e me leva de volta para cima. Não vejo bem ao início porque é uma luz que me ofusca tanto e eu ainda estou perdida e confusa.
Estou a voar. A minha cabeça está a andar à roda, estou meia adormecida mas sei que voo e deixo-me ser lentamente levada por uma sensação de que estou livre pensando ainda que é por me ter deixado ir. E assim adormeço.
Quando acordo estou de volta à beira do abismo. Desta vez sentada a uma certa distância dele num pequeno extracto de relva molhada e fria. É refrescante, é uma sensação diferente que me oferece conforto. Vejo ao longe o anjo que me salvou desaparecer mas sei que não me abandonou. Este caminho tem que ser feito por mim.
Eu antes não via mas sempre tive atrás de mim uma montanha com um destino diferente do outro lado. Agora vejo-a. É alta, perigosa e eu não tenho os materiais necessários para a escalar. Sinto-me uma dor no peito quando penso em escalá-la. Sei que não sou capaz.
Não, eu acho que não sou capaz. Talvez até consiga. Quem sabe se um dia não atinjo o topo.
Eu tenho começar a subi-la. É tão mas tão difícil. Quando olho para o abismo a pensar se talvez não fosse melhor deixar-me cair, vejo-o ficar rodeado de estacas de ferro aguçadas e ardentes que chegam cada vez mais perto da montanha. Não tenho outra escolha; preciso de subir. Por mim, pela minha sobrevivência.
Não tenho confiança mas tenho esperança. E a esperança é a última a morrer por isso, faço força e agarro em mais um bocado de rocha que me erga. Vou encontrando materiais que tornam o caminho menos insuportável. Vou tentando, tenho mesmo que tentar. E assim vou fazendo. Devagarinho e esperando não cair.
Ainda não subi a montanha, ainda nem vou a meio. Mas já ouço vozes lá em cima, diferentes das outras, mais suaves e dóceis. Não me prometem coisas que não podem oferecer, não me fazem acreditar na felicidade que me leva às nuvens mas garantem que nunca me vão deixar voltar a cair. São vozes amigas, vozes de pessoas que eu amo e que me amam também.
Então vou continuando a subir. Não posso ser rápida porque o caminho está cheio de buracos falsos a que me possa agarrar. É um desafio, tenho que pensar com clareza e encontrar as passagens que são melhores para mim.
De vez em quando olho lá para cima à procura do topo e não o consigo ver, só imaginar. Deve ser maravilhoso: algo que eu nunca vi, um prado tão verde cheio de relva fofinha para eu correr em liberdade e sentir que mesmo que não consiga conquistar o mundo, consigo conquistar-me a mim própria. E é só isso que me importa.
Tenho que ser eu mesma, tenho que lutar por mim, pelos meus sonhos, a minha felicidade, a minha família, os meus amigos, pelas coisas que gosto e pelas coisas em que acredito. Não é uma questão de escolher, é uma questão de fazer.
À medida que subo a montanha olho em redor e vejo outras montanhas que outras pessoas escalam com dificuldade. Algumas estão no início, outras já lá em cima mas todos estamos iguais. Todos precisamos de nos encontrar.
Vou continuar a escalar. Vou tentar não cair. Vou esforçar ao máximo por pisar as rochas certas e agarrar-me a pontos fixos.
Não prometo que consigo, isto é tão difícil, é quase impossível. Mas falta o quase e isso já é alguma coisa. Não posso prometer que consiga chegar ao topo. Estou no início do caminho e ele é tão longo que posso vir a passar a vida a fazê-lo.
Esperem, deixem-me reformular: existe algo especial em ficar acordado até tarde o suficiente para ouvir aquele verdadeiro silêncio na rua em que sentimos ser as únicas pessoas vivas no mundo. É uma sensação diferente, parece uma espécie de formigueiro no corpo todo que nos dá vontade de sair a correr porta fora e nunca mais voltar.
Mas eu gosto é de me sentir assim e escrever.
Ter a tocar nos ouvidos um tipo de música que só posso descrever como o grito da liberdade apesar de ser tão calma e relaxante. Existe algo naquelas batidas, nas vozes suaves quase a sussurrarem, nos acordes de guitarra ou de piano… sei lá, é tudo tão mágico. E olhem que eu percebo de magia.
É isso que sinto falta na vida. É isso que todos nós sentimos falta quando nos tornamos adultos. Não é vergonha nenhuma querer estar rodeado de magia quando somos crianças, até é algo adorável. “Olha para ela, acredita em magia. Que querida”. Se formos adultos e mostrarmos o desejo de ter magia na ponta dos dedos ou a sair-nos do coração como raios luminosos somos automaticamente parvos. E provavelmente precisamos de uma consulta urgente no Júlio de Matos.
Mas pensem comigo.
A questão é mesmo essa. Vivemos o nosso dia-a-dia como se tudo no mundo fosse cinzento e aborrecido, porque realmente o é na maioria das vezes. Acordamos de manhã, vamos trabalhar e passamos o dia inteiro a sentir que não estamos minimamente satisfeitos com as nossas vidas, vamos para casa quando o horário acaba, jantamos, fingimos passar algum tempo livre de jeito quando na verdade estamos demasiado cansados seja física ou psicologicamente para vivermos verdadeiramente e no fim vamos dormir. As horas passam, é um novo dia e nós? Acordamos e repetimos tudo outra vez.
O sentido da magia, da liberdade e dos sonhos é que podemos pegar numa caixa de lápis de cor e pintar todo esse mundo cinzento que nos sufoca cada vez mais para escaparmos à tão malfadada realidade. É como se fossemos nós a criar aquilo que queríamos viver e finalmente pudéssemos ser verdadeiramente felizes.
Só que esses lápis não existem e quando damos por nós estamos cada vez mais fechados, mais apertados e sufocados numa prisão que nós próprios construímos. E os dias passam, a rotina continuam, as paredes vão-se fechando e ficamos encurralados na nossa própria existência.
É aí que a música entra e as insónias ajudam.
Quando fico acordada até tarde e as músicas da “liberdade” entram dentro de mim como se fosse uma poção mágica. Aí imagino coisas extraordinárias, orquestro planos fantásticos, tenho epifanias, faço planos de vida em que sou uma aventureira e ninguém neste planeta me pode parar porque eu tenho todos os poderes do universo e muitos mais! Sou uma super-heroína. Uma super-heroína cujo único objectivo é salvar a minha própria vida com um toque de magia.
Não é só magia. Não é uma varinha mágica que vem e deixa tudo cor-de-rosa e sorridente. É algo maior que se forma bem no fundo do meu estômago e primeiro toma forma de borboletas e me deixa tão ansiosa pelo que poderá vir. Depois torna-se em coragem e certezas. Por instantes eu posso fazer tudo, eu faço parte de tudo e tudo faz parte mim. É maravilhoso.
Não demora muito tempo até finalmente adormecer e sonhar com as coisas mais improváveis e estranhas que o meu subconsciente inventa. Mesmo que não seja uma super-heroína nos meus sonhos, estou a viver algo diferente. Que me faz sorrir, chorar, ter medo, ter raiva…. Que que faz sentir tudo!
E isso é tão importante porque quando acordo volto a sentir o vazio e o sufoco. O mundo volta a ser cinzento e sem piada. A prisão reergue-se. A coragem vai-se, os poderes desaparecem. Não há magia. Só à rotina e uma necessidade que não é minha, mas está-me imposta em pertencer à sociedade, em ser só mais um número, só mais alguém que nasceu para existir, que existe para trabalhar e trabalha para morrer. Tão monótono quanto tocar a mesma nota no piano vezes sem conta. Tão sem propósito. Tão sei lá.
Um sei lá que nos faz aperceber que fazemos tudo isto para morrermos e o mundo continuar a girar. Não o podemos parar, a vida continua.
Mas quando estou naquele momento à noite, sozinha com a música e o meu teclado, sem ouvir qualquer confusão que normalmente existe de dia, sem ver demasiadas luzes, demasiadas pessoas, sem ser obrigada a pensar de uma certa forma, é quando tudo faz sentido.
Só existo eu no mundo e a qualquer momento posso conquistá-lo.
Gostava de poder explicar-vos tantas coisas que aprendi ao descobrir a fibromialgia. Com este blog, tenho tentado dar-vos uma pequena visita ao meu mundo, à minha realidade. E por realidade não falo apenas daquilo que vivo "para o mundo" no dia-a-dia: acordar, ir trabalhar, lidar com as pessoas à minha volta, etc.
A minha realidade também acontece desta massa cinzenta que costumava pensar tanto. Deixem-me explicar, não é que eu agora não pense (até o faço demasiado) porém antigamente fazia-o com clareza. Sabem como é? Organizar os pensamentos, formar teorias sobre isto e aquilo, escrever (não me canso de falar em como isto era importante para mim), aprender coisas novas, assimilar tudo.
Hoje esqueço-me de palavras simples como "armário" e perco a minha linha de raciocínio durante o mesmo. É como se perdesse o comboio sendo passageira nele. É ridículo certo? É a minha massa cinzenta que se tornou papa.
Neste momento tenho uma página do Word aberta com aquela barrinha a piscar à espera que derrame letras e letras que vão formar um texto ou uma história ou qualquer coisa que seja. Não consigo. Não consigo e fico frustrada.
Também fico frustrada quando me esqueço do nome das pessoas ou de certos objectos que uso no dia-a-dia, quando me estou a tentar explicar e não faço o mínimo sentido para os outros e pareço burra porque não paro de gaguejar à procura de palavras. Não me lembro de coisas da minha vida. Não me lembro de certos planos que tenho feitos. Não me lembro de acordar. Não me lembro das respostas para perguntas que fiz há dois minutos atrás. Não me lembro daquilo que almocei. Não me lembro de tanta coisa.
Isto parece muito normal, eu sei, mas não se esqueçam que tenho 23 anos. Supostamente estou no auge da minha vida. Para além de saber que devia estar a viver esta vida ao máximo e que na realidade passo mais de doze horas na cama todos os dias, também sei que não era suposto chegar a esta altura com a cabeça de alguém com setenta anos.
Não, esperem. Tenho uma vizinha que com 90 ainda tem a cabeça melhor que a minha, portanto nem vou pelas idades mas vocês percebem o que quero dizer.
Quando se colocou a hipótese da fibromialgia no início de toda esta viagem eu tive que me preparar mentalmente para aceitar uma vida em que eu teria dores constantes no corpo sem poder fazer nada. Nunca ninguém me disse que a minha cabeça também se ia perder.
Estou-me a perder.
Às vezes não sei quem sou nem sei o que faço aqui.
Queria ser alguém, lutar pelo meu futuro, lutar por mim. Mas se às vezes não me lembro nem do meu próprio nome como é que eu posso sequer acreditar em deixar a minha marca neste mundo?
Isto é um pesadelo que não acaba e nunca vai acabar. Desculpem ser tão sincera mas é isto que a fibromialgia me trouxe: um pesadelo. É eu acordar e adormecer todos os dias a pensar na mesma coisa sem esperança que as coisas melhorem.
Se acabaram de ser diagnosticados: desculpem. Não vos quero assustar, espero que a vossa vida seja tão melhor. Preparem-se para a maior aventura das vossas vidas e desejo que sejam só as dores a assombrar-vos e que não sejam muito mais. Honestamente desejo mesmo é que isso desapareça de dentro de vocês mas tenho que ser realista não é?
Sei que quase ninguém lê este blog e também sei que não consigo atingir nem um décimo do universo da fibromialgia nem 0,01% do mundo. Só continuo a escrever esta história porque é importante para mim. É importante ter um escape, um sítio para desabafar sem que pensem que estou a fazer fita ou que sou uma privilegiada mal agradecida.
Há fases assim. A vida é uma montanha russa.
Acho honestamente que a minha se partiu e vim parar a um túnel subterrâneo. Talvez volte a subir, quem sabe.