É um facto que estamos fartos de ouvir. Já é até uma frase feita, um cliché que evitamos dizer mas que acabamos sempre por deixar escapar por entre os nossos lábios. Há a primeira gargalhada, a primeira palavra, os primeiros passos, o primeiro dente. Existe o primeiro dia de escola, a primeira queda de bicicleta, a primeira negativa ou o primeiro excelente no teste. A primeira paixão, o primeiro desgosto, a dita primeira vez. O primeiro trabalho, o primeiro salário.
Se continuasse a dizer todas as vezes em que temos uma primeira vez nunca mais saía daqui. A vida é feita de "primeiras vezes" e quanto mais arriscarmos nela, mais primeiras vezes temos.
Dito isto, hoje foi o meu primeiro dia no curso que vai mudar a minha vida.
Digo mudar a minha vida porque esta etapa representa o meu regresso ao activo. Significa que estou a tirar as rodinhas da bicicleta, a pôr os pés fora do hospital e a tentar seguir com a minha vida.
Não vos posso garantir desde já que vou ultrapassar tudo como uma campeã olímpica e muito menos vos posso prometer que a partir de agora sou a pessoa mais feliz do mundo porque nada disso vai acontecer. Mas (e foquem-se no mas) eu vou esforçar-me para nunca desistir e lutar com todas as minhas forças para alcançar os meus objectivos e lutar contra os obstáculos.
É claro que para isto tenho que fugir ao registo de definir objectivos impossíveis de atingir e ser um bocado mais realista mas isso são outros quinhentos.
Para já tive o meu primeiro dia de regresso à escola. Já não me sentia assim há pelo menos sete anos, pareço uma adolescente outra vez. O que é bom porque sinto a parte boa de ser adolescente, pelo menos a parte que eu mais gostava que era estudar. O que posso dizer, sou uma marrona por natureza.
Já percebi que tenho alguns desafios pela frente como o facto de ser envergonhada e de ter um certo medo de falar com as pessoas. Quero dar-me bem com toda a gente e acredito que eles até gostem de me aturar depois de me conhecerem embora, para já, não vou dar muita importância a isso.
Outro desafio é o cansaço. Espero que ao habituar-me a uma nova rotina ele vá desaparecendo e o meu corpo decida aceitar que quem manda aqui sou eu! Caso contrário vou apresentar imensas reclamações por escrito - como faço aqui desde o início do blog - e vou continuar a ser ignorada por ele porque é assim que funciona esta relação de amor-ódio.
Mas eu não desespero porque amanhã é outro dia que vou ter de encarar com a cabeça erguida e hoje é tempo de descansar. Se me deitar às nove da noite não estranhem, já sabem que nasci no corpo de uma senhora de noventa e cinco anos.
Oh, que tragédia!
P.S: Quem me dera que o corpo da senhora de noventa e cinco anos fosse daquelas que tomam o cogumelo do tempo e andam a correr e a saltar por todos os lados a pedir ao Tony Carreira para lhes fazer um filho. Só que não.
Todos os anos ouvimos as pessoas dizerem aquela frase feita de "ano novo, vida nova". Todos os anos reviramos os olhos ao percebermos que o ano não representa necessariamente uma reviravolta na vida de cada um, é apenas um trocar de calendário.
Assim que bateu a meia noite, dei por mim em 2019 sem a mínima ideia de como seria a minha vida dali para a frente. O meu coração gritava que queria mudar e a minha cabeça achava que era tudo tretas. E poderia mesmo ter sido.
Mas lembram-se de eu vos dizer que não ia desistir?
Há cerca de duas semanas comecei, talvez, a viagem mais importante da minha vida. Não era uma viagem física em que partiria de mochila às costas e ia visitar outro país. Desta vez, parti de mente aberta e vim descobrir-me a mim própria.
Aquilo que sempre me impediu de avançar e de ser a pessoa que eu realmente queria ser era, antes de mais, eu não saber quem queria ser. Não fazia ideia do que representava ser a "Filipa" nem para que propósito servia a minha própria existência. Não se deixem enganar pelas minhas palavras, eu ainda hoje não sei de todo aquilo que me traz ao mundo ou o que quero viver.
Só que no meio disto tudo aprendi uma coisa: eu ainda não sei, mas vou saber.
Entrei para um tipo de tratamento que representa uma oportunidade única na vida de uma pessoa com problemas psicológicos. Passo os meus dias fechada numa unidade de um hospital que me trata bem e me estimula como se eu fosse uma criança a aprender a dar os primeiros passos. Logo aqui estou a imaginar muitos de vocês a lerem isto e a pensarem "onde raio é que te foste meter?" e até podem ter a vossa razão porque visto de fora parece que só estou a brincar num sítio onde somos todos malucos.
Apercebi-me de que se queremos mudar seriamente quem somos e revolucionar a nossa perspectiva de ver a vida precisamos de regredir completamente e voltar a formular a nossa personalidade como se tivéssemos quatro/cinco anos outra vez. No meio disto tudo, como somos todos adultos é óbvio que nos vamos portar como tal e ser desafiados num grau maior que um pequeno ser humano seria. Fazem-nos perguntas difíceis, confrontam-nos com o significado das nossas próprias palavras e na maioria das vezes em que nos encontramos cara a cara com os nossos pensamentos acabamos por notar que afinal o mundo não é todo preto nem todo branco.
E aí começamos a colori-lo.
Soltamo-nos com actividades que nos fazem rir pelas nossas figuras de parvos. Aceitamos que não são "figuras de parvos" mas processos necessários para que nos possamos sentir bem com a pessoa que somos e aceitar que toda a gente neste mundo se preocupa mais com a imagem que mostra para os outros do que realmente em julgar quem está à volta. Existem 7 biliões de pessoas no mundo, é completamente impossível que todos pensem desta forma simpática e madura mas levamos daqui a lição importante de que não só não podemos mudar quem está errado como devemos aceitar que essas pessoas não representam nada na nossa vida.
Eu disse-vos que ia escalar uma montanha ainda antes de saber que tipo de montanha era. Sempre soube que o caminho era difícil e não é agora que vos venho dizer que afinal é muito fácil e é tudo lindo e maravilhoso. Tenho dias em que sou confrontada com realidades que me lembram das minhas próprias experiências e acertam-me como um soco tão forte no estômago que quase perco o ar. Só que isso é completamente necessário.
Na vida precisamos de experienciar felicidade, tristeza, revolta, compaixão. Tudo de bom e tudo de mau num equilíbrio que faz de nós quem somos, que faz de nós humanos. Precisamos de aceitar que os sentimentos são para ser sentidos porque se os escondermos no fundo de uma caixa que está guardada lá em cima do armário então um dia mais tarde quando abrirmos a caixa ela vai dar cabo de nós. E aí, o que fazemos?
Por isso sim, este ano comecei sem pensar que seria "ano novo, vida nova" mas comecei a mudar a minha vida um degrau de cada vez. À medida que vou escalando vou aprender tanto sobre mim que quando acabar nem vocês me vão reconhecer.
Mas não se vão embora porque eu vou andar por aqui sempre a partilhar a minha história convosco. E qualquer dia pode ser que deixe de ser cronicamente fabulosa e passe a ser só fabulosa.