É oficial: juntei-me ao grupo de pessoas com um bullet journal.
Sabem toda aquela história de eu ter sempre a cabeça desorganizada e não me conseguir lembrar de certas coisas ou da necessidade que tenho de ser criativa quando nunca consigo? Bom, descobri a solução.
Há muitos anos que mantenho um pequeno caderno preto como uma espécie de diário em que escrevo os meus pensamentos mais íntimos e de vez em quando lá desenho qualquer coisa engraçada. Antes disso, é importante contar-vos que passei a minha vida a coleccionar caderninhos onde escrevia imensas histórias, textos e coisinhas sem graça nenhuma que me passavam pela cabeça. Quando eu era adolescente garanto-vos que não me encontravam em lado nenhum sem um caderno.
Ora, gostando eu tanto de escrever e de cadernos... .e material de papelaria no geral (eu sei, é um vício muito sério!) nunca resisti na altura de pôr mãos à obra e de me sentir uma menina pequena no seu primeiro dia de escola. É aqui que se coloca o problema. Cada caderno era para uma coisa diferente, não podia misturar certas coisas em cadernos mais elegantes porque só podiam ser para aquilo e ficarem bonitos e o pior: a quantidade de cadernos em branco que tenho guardados em casa pelo simples facto de não os querer estragar com a minha letra feia e clara falta de jeito para desenhar.
Mas enfim, há uns meses atrás lá comecei a encontrar na internet páginas lindíssimas de algo que parecia uma agenda só que não era bem uma agenda. Era algo mais. Era especial!
Então fiquei obcecada com este dito bullet journal e andei meses e meses à procura de um caderno pontilhado que não custasse os olhos da cara para poder começar. Queria ser produtiva, queria ser criativa, queria ser especial.
Na altura não encontrei e fiquei muito chateada por ter apenas mínimas opções que eram demasiado e desnecessariamente caras e então continuei com o meu caderno preto a explorar a minha criatividade. Nunca fui pessoa de escrever todos os dias religiosamente no diário porque dou por mim muitas vezes cansada e sem paciência. Já devem ter reparado pelo meu blog.
De qualquer das formas era importante ter algo que me permitisse organizar os pensamentos e experimentar rastrear coisas que seriam importantes para o meu bem estar como as minhas horas de sono e o humor ao longo do dia. Para além disso, e chamem-me picuinhas à vontade, queria uma coisa que ficasse verdadeiramente agradável à vista. Então imaginem só a minha cara quando no Natal estou a abrir os presentes e recebo o quê? Exacto, um caderno pontilhado!
Acreditem que quase dancei.
Mas não menosprezem a minha enorme capacidade de procrastinar por não acreditar nas minhas capacidades ou o tal medo de deixar tudo feio. Demorou um mês e alguns dias para que eu conseguisse pegar no caderno e o transformasse no meu bullet journal.
Ganhei finalmente coragem quando um dia no hospital, uma das psicólogas mencionou que podíamos começar a fazer um mood tracker ou se quiséssemos um bullet journal. Eu já tinha planeado naquele fim de semana começar mas ainda não tinha tido o empurrãozinho. Quando cheguei a casa comecei.
Estraguei logo a primeira página! Ia a escrever "bullet journal" na primeira página pontilhada para fazer uma capa bonita e comecei a fazer as letras demasiado grandes. Fiquei logo assustada mas como sou uma tipa que às vezes até tem umas ideias fixes: transformei o "bull" em "BOO!", desenhei um fantasma e essa foi a minha primeira página.
Desde então nada tem corrido como eu idealizo quando vou fazer uma página mas decidi não me preocupar e dar asas à imaginação. Uso cores diferentes, tipos de letra diferentes e muitas ideias que encontro na internet. Assim vou-me organizando, vou sendo criativa e acima de tudo vou transformando o que sinto em algo saudável e produtivo.
Finalmente encontrei uma forma gira de organizar os pensamentos.
Agora falta organizar o resto mas isso fica para a próxima!
Esperem, deixem-me reformular: existe algo especial em ficar acordado até tarde o suficiente para ouvir aquele verdadeiro silêncio na rua em que sentimos ser as únicas pessoas vivas no mundo. É uma sensação diferente, parece uma espécie de formigueiro no corpo todo que nos dá vontade de sair a correr porta fora e nunca mais voltar.
Mas eu gosto é de me sentir assim e escrever.
Ter a tocar nos ouvidos um tipo de música que só posso descrever como o grito da liberdade apesar de ser tão calma e relaxante. Existe algo naquelas batidas, nas vozes suaves quase a sussurrarem, nos acordes de guitarra ou de piano… sei lá, é tudo tão mágico. E olhem que eu percebo de magia.
É isso que sinto falta na vida. É isso que todos nós sentimos falta quando nos tornamos adultos. Não é vergonha nenhuma querer estar rodeado de magia quando somos crianças, até é algo adorável. “Olha para ela, acredita em magia. Que querida”. Se formos adultos e mostrarmos o desejo de ter magia na ponta dos dedos ou a sair-nos do coração como raios luminosos somos automaticamente parvos. E provavelmente precisamos de uma consulta urgente no Júlio de Matos.
Mas pensem comigo.
A questão é mesmo essa. Vivemos o nosso dia-a-dia como se tudo no mundo fosse cinzento e aborrecido, porque realmente o é na maioria das vezes. Acordamos de manhã, vamos trabalhar e passamos o dia inteiro a sentir que não estamos minimamente satisfeitos com as nossas vidas, vamos para casa quando o horário acaba, jantamos, fingimos passar algum tempo livre de jeito quando na verdade estamos demasiado cansados seja física ou psicologicamente para vivermos verdadeiramente e no fim vamos dormir. As horas passam, é um novo dia e nós? Acordamos e repetimos tudo outra vez.
O sentido da magia, da liberdade e dos sonhos é que podemos pegar numa caixa de lápis de cor e pintar todo esse mundo cinzento que nos sufoca cada vez mais para escaparmos à tão malfadada realidade. É como se fossemos nós a criar aquilo que queríamos viver e finalmente pudéssemos ser verdadeiramente felizes.
Só que esses lápis não existem e quando damos por nós estamos cada vez mais fechados, mais apertados e sufocados numa prisão que nós próprios construímos. E os dias passam, a rotina continuam, as paredes vão-se fechando e ficamos encurralados na nossa própria existência.
É aí que a música entra e as insónias ajudam.
Quando fico acordada até tarde e as músicas da “liberdade” entram dentro de mim como se fosse uma poção mágica. Aí imagino coisas extraordinárias, orquestro planos fantásticos, tenho epifanias, faço planos de vida em que sou uma aventureira e ninguém neste planeta me pode parar porque eu tenho todos os poderes do universo e muitos mais! Sou uma super-heroína. Uma super-heroína cujo único objectivo é salvar a minha própria vida com um toque de magia.
Não é só magia. Não é uma varinha mágica que vem e deixa tudo cor-de-rosa e sorridente. É algo maior que se forma bem no fundo do meu estômago e primeiro toma forma de borboletas e me deixa tão ansiosa pelo que poderá vir. Depois torna-se em coragem e certezas. Por instantes eu posso fazer tudo, eu faço parte de tudo e tudo faz parte mim. É maravilhoso.
Não demora muito tempo até finalmente adormecer e sonhar com as coisas mais improváveis e estranhas que o meu subconsciente inventa. Mesmo que não seja uma super-heroína nos meus sonhos, estou a viver algo diferente. Que me faz sorrir, chorar, ter medo, ter raiva…. Que que faz sentir tudo!
E isso é tão importante porque quando acordo volto a sentir o vazio e o sufoco. O mundo volta a ser cinzento e sem piada. A prisão reergue-se. A coragem vai-se, os poderes desaparecem. Não há magia. Só à rotina e uma necessidade que não é minha, mas está-me imposta em pertencer à sociedade, em ser só mais um número, só mais alguém que nasceu para existir, que existe para trabalhar e trabalha para morrer. Tão monótono quanto tocar a mesma nota no piano vezes sem conta. Tão sem propósito. Tão sei lá.
Um sei lá que nos faz aperceber que fazemos tudo isto para morrermos e o mundo continuar a girar. Não o podemos parar, a vida continua.
Mas quando estou naquele momento à noite, sozinha com a música e o meu teclado, sem ouvir qualquer confusão que normalmente existe de dia, sem ver demasiadas luzes, demasiadas pessoas, sem ser obrigada a pensar de uma certa forma, é quando tudo faz sentido.
Só existo eu no mundo e a qualquer momento posso conquistá-lo.
Desde que me lembro que tenho um sonho. Maior do que qualquer um que me atravesse a mente. Ele está sempre lá, sem mudar, sem perder a importância, sempre o meu maior sonho. Começou quando era pequenina, mesmo sem me aperceber, quando escrevia histórias sobre brinquedos que ganhavam vidas. Eu escrevia e sem saber o sonho tinha nascido e cada vez que voltava a escrever era como se o alimentasse e ele crescia mais.
O meu sonho é escrever um livro.
Quando me tornei adolescente, a minha cabeça fumegava com a quantidade de ideias que tinha. E eu? Escrevia e voltava a escrever. E se me apetecesse escrevia ainda mais. Tantas histórias, tantas personagens tantas coisas que a minha imaginação criava sem qualquer esforço. O meu sonho tinha ganho a imensidão do mundo. Era tão forte que me apetecia desistir da possibilidade de ter qualquer profissão que não fosse escritora.
Ainda hoje tenho guardados rascunhos e resumos de tudo aquilo que eu queria transformar num tesouro de papel. Estão à espera que volte a tocar-lhes, que lhes dê vida e asas para voarem.
Mas eis o problema: a minha cabeça já não funciona.
Antigamente não tinha um único problema em escrever um português correcto e diversificado. As minhas ideias estavam em ordens, perfeitamente identificadas sem falhar um pormenor. Hoje já não é assim. O simples facto de escrever este blog e tentar organizar os meus pensamentos, para que façam sentido, é um trabalho duro. Eu escrevo e vou escrevendo sempre de seguida até conseguir acabar porque se parar então tudo aquilo que está na minha cabeça à espera de passar para o papel (ou computador neste caso) desaparece como se de nada se tratasse.
Estou confusa. Não consigo lembrar-me daquilo que queria ou sequer organizar aquilo que ainda vou imaginar. As ideias não vêm, as palavras fogem e eu fico aqui com um sonho nas mãos que se tornou tão grandioso que virou um peso sobre as minhas costas.
Era só um livro, não era nada de especial certo? Parece tão fácil quando penso assim; era só chegar, inventar qualquer coisa, escrever e já estava. Acontece que tenho todos estes problemas em cima de mim a pressionarem-me e a lançarem-me directamente para o fracasso. Para além do mais, quando leio o que escrevo acabo sempre por odiar e não perceber onde é que eu queria chegar com aquilo.
No fundo eu sei onde é que quero chegar só que é tão difícil.