Todos os anos ouvimos as pessoas dizerem aquela frase feita de "ano novo, vida nova". Todos os anos reviramos os olhos ao percebermos que o ano não representa necessariamente uma reviravolta na vida de cada um, é apenas um trocar de calendário.
Assim que bateu a meia noite, dei por mim em 2019 sem a mínima ideia de como seria a minha vida dali para a frente. O meu coração gritava que queria mudar e a minha cabeça achava que era tudo tretas. E poderia mesmo ter sido.
Mas lembram-se de eu vos dizer que não ia desistir?
Há cerca de duas semanas comecei, talvez, a viagem mais importante da minha vida. Não era uma viagem física em que partiria de mochila às costas e ia visitar outro país. Desta vez, parti de mente aberta e vim descobrir-me a mim própria.
Aquilo que sempre me impediu de avançar e de ser a pessoa que eu realmente queria ser era, antes de mais, eu não saber quem queria ser. Não fazia ideia do que representava ser a "Filipa" nem para que propósito servia a minha própria existência. Não se deixem enganar pelas minhas palavras, eu ainda hoje não sei de todo aquilo que me traz ao mundo ou o que quero viver.
Só que no meio disto tudo aprendi uma coisa: eu ainda não sei, mas vou saber.
Entrei para um tipo de tratamento que representa uma oportunidade única na vida de uma pessoa com problemas psicológicos. Passo os meus dias fechada numa unidade de um hospital que me trata bem e me estimula como se eu fosse uma criança a aprender a dar os primeiros passos. Logo aqui estou a imaginar muitos de vocês a lerem isto e a pensarem "onde raio é que te foste meter?" e até podem ter a vossa razão porque visto de fora parece que só estou a brincar num sítio onde somos todos malucos.
Apercebi-me de que se queremos mudar seriamente quem somos e revolucionar a nossa perspectiva de ver a vida precisamos de regredir completamente e voltar a formular a nossa personalidade como se tivéssemos quatro/cinco anos outra vez. No meio disto tudo, como somos todos adultos é óbvio que nos vamos portar como tal e ser desafiados num grau maior que um pequeno ser humano seria. Fazem-nos perguntas difíceis, confrontam-nos com o significado das nossas próprias palavras e na maioria das vezes em que nos encontramos cara a cara com os nossos pensamentos acabamos por notar que afinal o mundo não é todo preto nem todo branco.
E aí começamos a colori-lo.
Soltamo-nos com actividades que nos fazem rir pelas nossas figuras de parvos. Aceitamos que não são "figuras de parvos" mas processos necessários para que nos possamos sentir bem com a pessoa que somos e aceitar que toda a gente neste mundo se preocupa mais com a imagem que mostra para os outros do que realmente em julgar quem está à volta. Existem 7 biliões de pessoas no mundo, é completamente impossível que todos pensem desta forma simpática e madura mas levamos daqui a lição importante de que não só não podemos mudar quem está errado como devemos aceitar que essas pessoas não representam nada na nossa vida.
Eu disse-vos que ia escalar uma montanha ainda antes de saber que tipo de montanha era. Sempre soube que o caminho era difícil e não é agora que vos venho dizer que afinal é muito fácil e é tudo lindo e maravilhoso. Tenho dias em que sou confrontada com realidades que me lembram das minhas próprias experiências e acertam-me como um soco tão forte no estômago que quase perco o ar. Só que isso é completamente necessário.
Na vida precisamos de experienciar felicidade, tristeza, revolta, compaixão. Tudo de bom e tudo de mau num equilíbrio que faz de nós quem somos, que faz de nós humanos. Precisamos de aceitar que os sentimentos são para ser sentidos porque se os escondermos no fundo de uma caixa que está guardada lá em cima do armário então um dia mais tarde quando abrirmos a caixa ela vai dar cabo de nós. E aí, o que fazemos?
Por isso sim, este ano comecei sem pensar que seria "ano novo, vida nova" mas comecei a mudar a minha vida um degrau de cada vez. À medida que vou escalando vou aprender tanto sobre mim que quando acabar nem vocês me vão reconhecer.
Mas não se vão embora porque eu vou andar por aqui sempre a partilhar a minha história convosco. E qualquer dia pode ser que deixe de ser cronicamente fabulosa e passe a ser só fabulosa.
Uma das grandes razões que me levaram a criar este blog é o facto de que tanto a fibromialgia como outras doenças crónicas englobarem um vasto ramo de distúrbios mentais.
Sei que ao falar deles não vou ser só compreendida por doentes crónicos mas também por pessoas que enfrentam todos os dias os desafios impostos por certos monstros que atacam as suas mentes. É aqui que me sinto obrigada a sublinhar que lá porque as doenças, síndromes, distúrbios ou condições existentes são invisíveis não significa que estas pessoas não sofram com eles. É preciso colocar de parte todos os preconceitos e ideias pré-concebidas de que ter uma depressão (por exemplo) é "modinha" ou apenas uma chamada de atenção e começar a entender verdadeiramente que o cérebro é um órgão como qualquer outro no nosso corpo e também fica doente.
Prosseguindo, deixem-me então dizer-vos que ter fibromialgia também têm o seu quê de distúrbio mental e daí seja extremamente controverso aceitá-la ou entendê-la como uma verdadeira doença física. Por exemplo, um dos grandes factores que contribuem para o agravamento das minhas dores é o meu estado psíquico. Se eu estiver mais stressada, triste ou até irritada posso ter a certeza de que o meu corpo se vai começar a queixar. Por outro lado, um estado de espírito mais zen e despreocupado leva-me a sentir que posso fazer tudo o que me apetecer. Mas não se deixem enganar; lá porque o meu humor tem influência na quantidade de dores que sinto, isto não quer dizer minimamente que a fibromialgia só está "na minha cabeça" e que é uma invenção minha. Muitas são as vezes em que estou bastante bem humorada e optimista e continuo a sentir-me fisicamente derrotada.
É aqui que é preciso quebrar o estigma de que pensamentos positivos resolvem qualquer coisa. Isto não é verdade. O que é um facto é que uma atitude positiva em relação às situações que enfrentamos no dia a dia nos vai ajudar a motivar para que não desistamos de lutar mas é só isso: ajudar. Não vai resolver os nossos problemas como que por magia apenas porque nós decidimos ser positivos. Não é assim que o corpo humano funciona.
Não me interpretem mal, eu não sou psicóloga nem nada do género mas acho que tenho experiência suficiente neste campo para saber uma coisa ou outra do que resulta e do que é mito.
Mais uma vez apetece-me pegar naquela tão adorada (pois, claro) frase que ouço imensas vezes: está tudo na tua cabeça.
Vamos supor o seguinte: se eu atropelar alguém e essa pessoa ficar no chão a contorcer-se de dores mas não aparentar qualquer dano físico à primeira vista também lhe deverei dizer que está tudo na cabeça dela? Não, certo?! Então porque raio é que tem que ser assim comigo?
O ar que respiramos também não é visível e isso não significa que ele não exista. Por isso, vamos tentar pôr de lado esta ignorância imposta pela sociedade e perceber que nem tudo o que é invisível é um acto de imaginação. Aposto que se o Dr. House fosse real concordaria comigo nesta parte.
A ansiedade, depressão, paranóia, bipolaridade, distúrbio obsessivo-compulsivo, mania, etc (desculpem não me lembro de todos assim de repente) também não são invisíveis . É o cérebro que está doente e desregulado e precisa de ajuda.
Afinal, qual é a piada de se fingir uma doença quando podemos aproveitar melhor a vida sendo saudáveis?
Não sei como é convosco mas aqui entre nós eu adorava ter a minha vida de volta. Mas esse é daqueles desejos que só está na minha cabeça e é algo que eu gostava de poder mudar.
Ah, hoje venho falar de uma das minhas reacções preferidas de sempre quando conto a alguém que estou doente. Nem preciso de dizer o que é que eu tenho para ouvir logo aquela maravilhosa resposta. "Mas tu não pareces doente."
Portanto, para parecer doente teria que estar completamente desfigurada, cheia de hematomas ou feridas e sem sequer sair da cama? Não preciso de parecer doente para o estar e não acho que seja assim tão complicado entender isso.
Eu não preciso de parecer doente quando todos os dias de manhã continuo a ter dificuldades em levantar-me com as dores no corpo e rigidez muscular. Não preciso de parecer doente quando me custa imenso subir e descer escadas. Não preciso de parecer doente quanto tento pegar em coisas que nem são assim tão pesadas e as forças me faltam. Não preciso da aparência quando a doença está lá.
Por isso é que lhe chamo a doença silenciosa. A fibromialgia não é uma brincadeira mesmo que não se saiba muito sobre ela. Eu não acordei simplesmente um dia e decidi que queria uma condição destas para o resto da minha vida sem poder fazer nada para que ela desapareça.
Sei que não sou a única a pensar assim no que toca a doenças invisíveis. Aposto que na minha geração e não só, existem milhares de pessoas que sofrem em silêncio com depressões, ansiedade e outros tantos distúrbios que chegam a ser incapacitantes. E também tenho a certeza de que se disserem a alguém o que têm a resposta será igualmente: "Mas tu não pareces doente".
A sociedade tem que parar de pensar em aparências e "olhar" mais para a parte metafísica. Esse pensamento retrógrado de que é necessário parecer doente para se estar fez com que duvidassem de mim inúmeras vezes e adiassem sem qualquer razão o meu diagnóstico.
Demorou exactamente um ano e três meses para me dizerem algo que eu já estava à espera de ouvir. Não, nunca me auto diagnostiquei nem quis armar-me em médica mas quando todos os profissionais de saúde à minha volta me falam que isso é uma possibilidade sem terem o poder de dar o diagnóstico, então uma pessoa começa a acreditar.
Também gostava de acreditar que lá no fundo as incontáveis vezes que ouvi a palavra somatização soar no meu ouvido eram apenas preocupações disfarçadas de desdém. Quando a pessoa que podia encaminhar-me para todos os sítios certos, para exames necessários, ajudas certas e tudo mais sempre duvidou de mim. Não, não era somatização e, não, eu também não pareço doente.