Se há coisa neste mundo que me assusta mais do que palhaços são as palavras "junta médica". É só falarem-me disso que os cabelos na minha nuca se eriçam todos e o meu estômago começa às voltas.
Imaginem a minha cara quando há cerca de duas semanas descobri que hoje à tarde me esperava a tão famosa dita consulta da junta médica onde um bando de médicos que nunca me viu na vida iria decidir se eu continuava suficientemente doente para estar de baixa ou se estava óptima, fantástica, maravilhosa e pronta para voltar ao activo.
Não me interpretem mal. Eu quero voltar a trabalhar. Quero construir uma vida e uma carreira que me possa tornar uma verdadeira adulta. Ser alguém. Viver e não existir só.
Mas eu ainda não estou bem. Ainda há muita coisa trancada dentro da minha cabeça que tem que ser arrancada cá para fora, analisada e resolvida. Estou no início desta pequena aventura mas já descobri que existe muito para remexer. Estou a tentar, disso tenho a certeza.
Acontece que a junta médica não é propriamente conhecida por ter as pessoas mais simpáticas do mundo a trabalhar lá. Normalmente, entra-se na sala e deparamo-nos com médicos mal encarados que nos querem mandar trabalhar estejamos a morrer ou não. Por isso, não é uma surpresa quando ouvimos pessoas verdadeiramente doentes saírem de lá irritadas, deprimidas, frustradas e revoltadas porque num espaço tempo de minuto e meio alguém que nunca os conhecera anteriormente decidiu que estavam óptimos para trabalhar, só porque sim.
Eu sei que é tudo por causa de uma minoria (ou não) de pessoas que acham que podem enganar a segurança social e viver à custa de uma entidade que todos pagamos apenas porque não lhes apetece trabalhar. Mas temos que pensar nos outros: aqueles que estão mal e que precisam de ajuda. E, acima de tudo, que precisam de tempo para ter essa ajuda.
Só que hoje.... hoje foi diferente! A ansiedade estava lá, a dar cabo de mim tal como se eu tivesse acabado de comer um iogurte estragado. Continuava mal disposta, nervosa, pronta para desistir de respirar e atirar-me para o chão. Estive assim até ser chamada e entrar no consultório onde duas senhoras simpáticas estavam à minha espera. Acreditam nisto?! Simpáticas!
Nem dois minutos estive lá dentro. Fizeram-me uma ou duas perguntas básicas, leram os meus relatórios e mandaram-me embora com um papelinho que me dava autorização para continuar de baixa e consequentemente continuar o meu tratamento diário.
Porque acreditem ou não, é importante que continue a fazer o que tenho estado a fazer nestes últimos dois meses para que um dia possa finalmente dizer que estou bem. Vai demorar, eu sei bem que vai demorar, mas o importante é não desistir.
E sei que isto de sermos apenas números e de termos pessoas desconhecidas a decidirem o nosso futuro com míseros minutos de "conversa" e sem olharem para nós como realmente somos, como realmente sofremos. Mas esse é um tema para outro dia.
Tenho várias coisas escritas à espera de serem publicadas neste blog. A questão é que nos últimos tempos aconteceram coisas que me fizeram questionar se realmente sou a guerreira que alguns dizem que sou. Estive muito mal mas também fiz tantos progressos na minha vida que nunca pensei fazer.
Já consigo fazer desporto. Até me apaixonei por ele devo dizer. Despertou um interesse em mim de me mexer, de saltar, de me esticar (de correr não) e de chegar cada vez mais longe para ganhar força e sentir-me saudável.
Ao mesmo tempo tenho tentado treinar a minha mente e esperar que toda aquela confusão que me tem envolvido desapareça. Não é fácil. Nada fácil. Enquanto escrevo estas palavras dou por mim a perguntar-me se tudo aquilo que estou a dizer faz algum sentido ou se eu é que estou maluca e já não consigo ser eloquente como quero.
Enfim. Escrevo isto cansada, também.
Aperceber-me que a vida se resume a acordar/trabalhar/comer/dormir repetido vezes sem conta sem qualquer hipótese de escapar é sem dúvida alguma a maior desilusão que já apanhei. É suposto ser normal mas em vez disso é uma realidade tóxica psicologicamente. E quando me torno escrava destes pensamentos revoltados e depressivos é quando me sinto pior.
Eu sei que a minha cabeça comanda a minha doença só que eu queria que as coisas fossem diferentes.
Para começar gostava de não estar doente. Depois podemos acresentar a isso todo o sentimento de culpa que vem obrigatoriamente agarrado por eu não ter algo pior e haver tanta gente a morrer com isto e com aquilo. Qualquer coisa definitivamente pior que os está a destruir por dentro.
Eu só estou destruída mentalmente. É um bocado irónico, não?
O facto de contar a minha história seria supostamente para explicar às pessoas o que é descobrir ter uma doença que a maioria não sabe sequer o que é. Queria-me fazer ser ouvida e queria que me entendessem.
Agora sinto que isto parece totalmente o contrário. Talvez a minha mensagem não esteja a ser transmitida como devia. Talvez as pessoas pensem que sou apenas uma daquelas pessoas que só sabe reclamar da vida e nunca está satisfeita com nada. Será que sou?
Mas não se assustem. Não vou parar este blog. Vou continuar a escrever por todas aquelas pessoas que acordam como eu e adormecem como eu: com dores. Vou continuar a reclamar. Vou contar-vos as minhas vitórias e derrotas. Vou dizer tudo e nada numa grande bolha de confusão mas vou continuar eu própria.
Gostava de dizer que hoje me sinto cronicamente fabulosa. Fiquemo-nos pelo crónica, amanhã talvez haja mais.
Já alguma vez viram o filme "O feiticeiro de Oz?" Lembram-se do homem de lata e da sua constante luta para se manter oleado e a funcionar? Bom, então já perceberam que eu sou um homem de lata!
Ou uma mulher de lata. Como queiram.
A verdade é que a personagem que andava sempre com uma lata de óleo atrás me faz lembrar muito de mim neste tempo maravilhoso (não) de frio. Eu sou praticamente igual. Tirando a parte de ser de lata. E de andar com uma lata de óleo atrás. E de não ter coração. Enfim, estão a perceber a ideia!
Se há umas semanas (sim, semanas!) atrás me queixava incansavelmente de estar toda inchada e a morrer de calor, então hoje posso garantir-vos que me arrependo de todas as palavras de desdém que dirigi ao meu lindo e adorado Verão. E porquê?
A resposta é simples: a fibromialgia e o frio não combinam de forma alguma. Não. Simplesmente não dá!
Dito isto, como é que eu consigo ser um ser humano minimamente normal e funcional quando sinto a brisa através da janela e de repente lá se foram as minhas mãos: deixaram de mexer. Ups.
A ideia chave é a mais óbvia. Sem dúvida alguma que preciso de calor (e muuuuuuuiiiito calor!) e para isso tento ganhar o record do guiness para pessoa que veste mais roupa de uma vez só. Ainda não consegui mas esperem que chegarei lá!
Depois, evito claramente as correntes de ar e zonas onde o ar frio possa soprar discretamente. Não. Não há frio para ninguém. Acabou. Fujam do frio!
Agora, nesta fase da minha vida, estou seriamente a pensar em adquirir mais cobertores do que tenho, mais aquecedores, sacos de água quente, etc etc.
Mas agora a sério, eis uma dica para se protegerem mais do frio. O corpo será muito mais fácil de aquecer se mantiverem as vossas mãos e pés quentes. Abusem das meias fofinhas e grossas. Usem luvas. Ponham as mãos no fogão a funcionar. Estou a brincar!!! Pelo menos na última parte.
Toda e qualquer hipótese que tenham de se aquecer aproveitem. Garanto que se vão sentir melhor. O frio é o nosso pior inimigo.
Depois de tudo isto é tempo de reflexão. O inverno é algo inevitável e impossível de escapar. Todos os anos ele vem e parece que vem cada vez com maior intensidade. Enfim. Tal como em tudo na fibromialgia o importante é saber os nossos limites e aprender a lidar com o monstro gelado que é esta estação do ano.
Não é fácil, não vou mentir. A maioria das vezes tenho a vontade de me rodear de cinquenta cobertores dos mais quentes para me aquecer. As dores são complicadas, elas vêm quando menos esperamos por isso a batalha nunca acaba. Mas se querem mesmo saber a cereja no topo do bolo lembrem-se que quando eu me aqueço demasiado começo a inchar e a ficar com certas partes do corpo a queimar. Já para não falar dos suores frios.
Por isso sim, continuo a sentir que sou o homem de lata do feiticeiro de Oz. Para um braço aqui, a perna ali. Mas é só pegar na lata de óleo e continuar a lutar.
Afinal, a estrada dos tijolos amarelos não se percorre sozinha.
Entre conversas cruzadas, chamadas automáticas e choros desesperados aqui estou eu. Sentada numa cadeira de rodas com uma manta nas pernas para não apanhar frio e a questionar o propósito da minha vida enquanto uma jovem de 22 anos que parece estar num corpo de 80.
É só mais uma daquelas noites no hospital. Só mais umas quantas horas de espera porque existem centenas de doentes e apenas dezenas de médicos. Cada um com o seu problema, cada um com as suas dores. Vejo-os entrar e sair, apresentar as senhas, procurarem o gabinete X para a senha daquela cor. Estão todos em constante movimento, até mesmo aqueles que esperam. Se pararem dão em doidos com a quantidade de tempo que têm de aguardar pela noite dentro. Ouço os mesmos nomes serem chamados vezes sem conta mas ninguém que se levante e responda à chamada. Os outros vão-se remexendo, tentando arranjar uma forma de suportarem melhor a dor, gemendo, gritando, chorando.
É esta a realidade aqui dentro. O ar guarda aquele clima de incerteza, de desespero. Cada pessoa que aqui está tem algo diferente embora todos sofram. Ao ver uns quantos entrar de maca praticamente inconscientes sinto-me culpada por aqui estar. Talvez as minhas dores não sejam tão urgentes para justificar a minha presença. Talvez devesse ter ficado em casa e dar a vez a quem realmente precise. Mas eu preciso.
A dor apoderou-se de mim como a neve apodera a Antárctida. Sinto-me como se me esventrassem as pernas com força e me partissem os dedos, um por um muito lentamente para me fazerem sofrer. Não me sentia tão mal há imenso tempo. Pensava que os medicamentos ajudavam, que impediriam que isto acontecesse e tudo correu bem até agora. O corpo luta contra si próprio e aqui não há vencedores. Perguntam-me: "onde é que dói mais?" E eu só quero dizer que é em todo o lado, como se um camião me tivesse passado por cima. Mas eles nunca acreditariam em mim.
À primeira vista estou calma e não pareço nada com alguém que esteja a sofrer. Em tempos, houve uma enfermeira que me julgou por uma drogada. Como é que se explica a alguém saudável que já estou tão habituada às dores que posso chegar ao 10 numa escala de 1 a 10 apenas com um pequeno gemido? Continua a doer. E dói demasiado. Dói em pé, sentada e deitada. Dói com e sem roupa. Dói a todas as horas, minutos e segundos.
Por isso hoje é mais uma daquelas noites. Qualquer dia mudo a minha morada para o hospital Fernando Fonseca, afinal isto já é a minha segunda casa.