Sabem aquela sensação de estar a viver a mesma situação vezes e vezes sem conta sem poderem fazer nada, sabendo que estão constantemente a ser torturados com a dor física e psicológica que vem com toda aquela imagem?
Há quem diga que ando a ver demasiado a série da Netflix Lúcifer mas tenho vindo a aperceber-me que por mais que eu tente mudar as coisas para o positivo, o útil é o proactivo, volto sempre ao mesmo sítio. Àquele momento inicial em que me sinto em baixo por coisas que nem sei desvendar e o meu corpo, oh se eu pudesse explicar o quanto ele me tortura. É isso que me faz sentir o inferno na terra.
No último ano e tal, envolvi-me num objectivo de vida que seria tirar um curso de especialização tecnológica em gestão de turismo e a partir daí trabalhar em algo que me dates fizesse até poder seguir o meu sonho de psicóloga criminal. Aqui gostaria de fazer um aparte para agradecer a nada mais nada menos que à Joana Amaral Dias que reforçou esse meu sonho ao escrever no livro que tenho dela "para a minha futura colega Filipa".
Acontece que entretanto apareceu o COVID e toda aquela história sobre acabar o curso e o estágio é rapidamente arranjar um bom trabalho estável e com um ordenado decente ficou para trás. Estamos todos no mesmo barco. Todos a ficar doentes e sem dinheiro e sem sítios para nos virarmos ou um lugar onde cair mortos. Aqui diria que isto passa a ser o inferno colectivo na terra.
Na série que ando a ver, as pessoas que acabam no inferno são pessoas que sentem culpa por qualquer coisa má que fizeram e vivem essa situação repetidamente mexendo com a mente deles da forma mais macabra e demente possível. Mas que posso eu dizer, é o inferno certo?
No meu caso, eu não sinto culpa de qualquer depressão ou fibromialgia que possa ter mas continuo todos os dias a passar pelo mesmo. Não durmo e quando eventualmente adormeço só tenho pesadelos que me impedem de descansar; ando constantemente física e psicologicamente cansada porque estou a deixar de ver aquela luz ao fundo do túnel brilhar como antes; sou uma inútil. Trabalho a partir de casa de pijama, sentada na cama e a desejar cair para o lado a dormir porque tento ao máximo concentrar-me e isso drena-me toda a energia (que já é quase zero); não consigo ajudar nas tarefas domésticas como devia e aí sim sinto-me absolutamente culpada porque quando se vive em família, todos devem ajudar um bocadinho. De vez em quando lá ajudo com a roupa e ponho a mesa, tiro a louça da máquina, mas será que isso chega? Não.
Quero ser uma adulta funcional. Tenho 26 anos, porra! E sinto-me como uma adolescente de 14 que ainda está a lidar com os problemas da puberdade. Só que estes são um bocadinho diferentes.
Eu tento sair para ver se isso cura a minha incapacidade de lidar com a fibromialgia e sei que muita gente pensa que eu não sinto dores quando saio porque caso contrário não saía não é? Mas eu sinto é forço-me a ir para não ficar na rotina que é uma espiral autodestrutiva e eu sei muito bem onde essa espiral acaba porque já lá estive uma vez. Prometi a mim mesma, à minha família, aos meus amigos e aos meus médicos que não voltaria a estar lá.
Quando saio tento estar animada como a Filipa maluca que todos conhecem mas honestamente perdi a vontade de ser assim. Ultimamente não me apetece socializar ou falar com pessoas, seja pessoalmente ou pelo telemóvel. Perdi a necessidade de atenção porque para quê ter atenção quando não posso desfrutar dela?
Estou bastante negativa, não vos vou mentir. De vez em quando tropeço e caio em poços fundos que me puxam para a escuridão e para coisas que não quero sentir mas eu tento sempre agarrar-me à pedra com as mãos. Começo a ficar cansada de ser puxada e não fazer ideia de como evitar cair.
Quando me deram alta achavam que eu estava preparada para a vida, para enfrentar os meus problemas mas nunca me deram ferramentas para enfrentar este monstro dentro de mim que não tem cura e anda agarrado às minhas costas 24 horas por dia. Se eu merecia o inferno, posso dizer que estão de parabéns porque é definitivamente a pior tortura que eu poderia aguentar.
Eu não acredito no céu nem no inferno. Nem no diabo, nem no Deus que a maioria das pessoas acredita. Por isso isto para mim é uma metáfora interessante e irónica de falar. Só que neste momento é a única forma de exprimir por palavras o que me vai na alma.
A única forma de escapar ao meu próprio inferno e tentar encontrar um bocadinho de paz. Acho que até eu mereço isso.
Estou há dias a sentir um peso no meu peito, um sufoco que não me deixa respirar.
Estou a tentar ser forte e lutar para ser a menina boa que todos querem que seja mas ao mesmo tempo eu só quero ser eu sem ser julgada por isso. É o que tento fazer sempre não é? Que os outros se orgulhem de mim e que vejam que eu consigo estar à altura. Mas eu não estou, eu não sou capaz.
Se me perguntassem no ano passado ou em qualquer dia da minha vida anterior a este momento desde que comecei a ter os meus problemas a resposta seria a mesma. Eu não quero estar aqui, eu quero desparecer. Mas depois começam as questões de magoar a minha família e destruir a vida das pessoas, entre outras. "Tens que pensar nos outros, não podes pensar só em ti."
Honestamente não me lembro de um dia em que eu não pense nos outros. No que posso ou não fazer, no que posso ou não dizer para magoar alguém, para chatear alguém. E estou cansada de fingir e cansada de não poder ser sincera porque tenho medo.
A verdade é esta. Eu tenho uma depressão, eu penso todos os dias em morrer e olhar para o espelho dá-me nojo porque eu detesto a pessoa que sou. Não quero esconder a verdade só porque temos que ter cuidado com o que partilhamos com os outros na internet. Só porque não queremos que pensem que nos estamos a fazer de coitadinhos. Eu não sou nenhuma coitadinha, eu deito-me todos os dias na cama que faço. Mas eu tenho direito a desabafar.
Tenho direito a abrir o meu coração para eliminar um bocadinho que seja do sufoco que vivo todos os dias e que toda a gente me diz que não tenho direito a ter porque tenho uma vida melhor do que muitos que vivem com nada. Desculpem-me se sou assim. Se um dia a minha cabeça decidiu dar um clique e ficar de pernas para o ar. Eu não faço por mal, não faço para vos magoar ou enganar ou manipular ou qualquer coisa de mal que possam achar de mim.
Aprendi há um tempo atrás que quando queremos mudar, a mudança vem de dentro. Mas eu não consigo mostrar resultados de mudança se estou a tentar descobrir o caminho certo no meio de uma estrada cheia de ramificações e cada um que escolho é sempre o errado. Eu tento mudar todos os dias. Ninguém vê, ninguém entende, mas eu tento.
Quando penso que seria melhor estar morta é porque acho que popuaria a muita gente a constante preocupação e desilusão em relação a mim. Desperdicei parte da minha vida a sofrer com algo que não se entende, a ser alguém que é fria e má e não quer estar perto da família.
O meu problema são as pessoas, não é a família. Não posso continuar a sentir-me culpada por me divertir quando saio com amigos e por chegar a casa e refugiar-me no meu canto. Não posso continuar a tentar remar para algum lado enquanto o barco se afunda cada vez mais.
Não, eu não me vou suicidar. E embora tenham medo desta palavra e não gostam de a ouvir, eu sou uma pessoa suicida. Não activamente, porque não estou a planear e a executar esse acto, mas eu penso todos os dias em formas, em momentos, no meu funeral, na roupa que gostaria que me vestissem, nas cartas que precisaria de escrever, nas pessoas que se iriam despedir de mim.
Sei que isto parte o coração a qualquer pessoa que goste de mim e que leia e que ao mesmo tempo provoque raiva e revolta porque eu não aproveito a minha vida mas eu não posso aproveitar algo que sinto que não exista. Os momentos esporádicos em que puxam por mim e me levam a viver e a provar a liberdade fazem-me sentir bem, fazem-me sentir eu. Mas não é por isso que a depressão sai de mim, não é por isso que eu fico magicamente bem. Eu batalho com isto há anos e não é agora que ela se vai embora só porque eu lhe digo.
Não me vale de nada continuar a trabalhar no duro para que as pessoas se orgulhem de mim quando só vêem o mal que eu tenho. Eu não faço nada, eu não ajudo em casa em nada e se ajudar isso não conta porque não é um acto de tentar ser melhor é só uma obrigação. Eu sou má pessoa. Eu aparentemente não gosto da minha família. Eu sou uma vergonha. Eu sou uma desgraça. Eu não presto.
Estou cansada de deixar estas palavras dentro do meu peito a ecoarem vezes e vezes e vezes sem conta, a magoarem-me a tornarem-me cada vez mais fria e revoltada. Não, eu não sou a criança querida e "brilhante" que em tempos fui. Nem nunca mais vou ser. Eu mudei. Eu vi muita coisa acontecer que me fizeram mudar de opinião, que me fizeram tornar naquilo que sou hoje. Eu não sou perfeita, muito pelo contrário eu devo ser uma das pessoas mais estragadas que existem e tenho culpa de tanta coisa que se passa comigo. Tenho culpa de respirar.
Espero que este texto não seja lido por muita gente. Espero que não seja lido por ninguém. Ao contrário do que se pensa criei este blog para poder desabafar à vontade sem tabús, censuras ou floreados. Tenho muito mais para dizer mas a minha cabeça já não funciona mais.
Acabo o meu estágio daqui a dois meses e sinto-me incapaz de cumprir o que esperam de mim. Tenho a vida de pernas para o ar (porque aparentemente sou eu que quero isso) e não consigo fingir mais. Não consigo mentir que estou bem e que se pode ser normal quando não estou e quando não consigo. Eu não sou normal. Eu tenho problemas psicológicos, sérios que não vão passar agora, nem em breve.
Quando me vim embora do hospital para fazer o curso, a minha mãe disse-me que era demasiado cedo e eu devia tê-la ouvido. Não ouvi porque achei que ia orgulhar a minha família e ia arranjar trabalho depressa para poder seguir a minha vida. Mas passei mal durante o meu curso inteiro, voltei a sentir-me o E.T. que sempre senti. Tive ataques de pânico várias vezes e fui gozada por isso, porque achavam que eram birras. As pessoas achavam-me ridícula. Nunca me disseram nada cara mas eu sei que achavam. Mas elas também não sabiam que enquanto se riam de mim eu estava sentada no vão das escadas a olhar para o espaço entre todos os andares e a considerar saltar. Faltou-me a coragem de todas essas vezes. Se calhar não devia ter faltado.
Ou se calhar devia e é suposto eu estar aqui a sofrer e a fazer por mudar, não pela forma que é suposto mas pela forma que para mim me é mais confortável e me faz ver uma saída. Os outros não são os monstros, o monstro aqui sou eu. Sempre fui e se dizem que não fui então eu digo que me tornei. Eu não quis tornar-me num monstro, nunca quis ser como sou, como fui ao longo da minha vida, mas aqui estou eu com quase vinte e seis anos a admitir que eu não sou boa pessoa, que sou fria, que sou antisocial e que sou um monstro.
Tudo para dizer que no fim vou ficar sozinha como sempre disse que ia ficar. Não por culpa dos outros mas por minha. E não tem mal, eu sempre disse em cada discussão que tinha no curso que eu me punha a jeito. Mas também sempre disse que nunca voltaria atrás nas palavras que eu dizia porque isso seria mentir e se eu sentia eu tinha que as dizer. Hoje digo estas palavras porque elas representam os sentimentos mais profundos do meu coração, que é feio, está preto e corrompido.
Mas eu também sou humana. Eu também sinto. E se todos os outros tiveram o direito de errar, de decidir a vida deles e fazer as próprias escolhas então eu também tenho. E eu até posso não conseguir hoje porque me faltam as forças e me faltam as oportunidades mas quando as fizer, não será por isso que sou má. Má já eu sou. Mas deixem-me ser má e livre, sem chatear ninguém. É tão mais fácil assim.
E no fundo peço desculpa às susceptibilidades feridas com as minhas palavras porque efectivamente as palavras doem mas eu também tenho muita dor no meu coração que não é aceite e não é entendida. Eu não peço que ninguém me entenda. Também não peço que ninguém que ajude porque eu sou mulher o suficiente para assumir o que sou, os meus erros e saber erguer-me sozinha.
Achei que depois de tudo o que tinha passado já não havia volta atrás e eu estava verdadeiramente diferente. Mas estava completamente enganada.
Celebrei demasiado cedo, é o que me parece. Aprendi tudo na teoria como uma boa menina e depois na altura de pôr em prática espalhei-me ao comprido e nem sei como. E só tenho a mim própria a quem culpar.
Parece que voltei outra vez ao início e que não sei nada, não entendo nada. Sinto-me perdida.
Mudei a minha vida. Voltei ao activo, estou a lutar por mim e pelo meu futuro mas sinto-me exausta e sinto que não sou capaz. Todos os dias acordo a pensar que vou desistir e depois páro um momento para pensar e decido que vou viver um dia de cada vez.
Tenho errado muito. Todos os dias encontro uma nova maneira de errar e sempre que me empenho em resolver os meus erros e a arranjar formas de melhorar dou por mim a errar novamente e a falhar como sempre falhei. Vocês sabem o meu percurso, vocês entendem que me esforço e que não tenho desistido em melhorar mas quem me conhece só agora e me vê a errar pensa que eu sou apenas uma pessoa imatura, mimada e que quer tudo à sua maneira.
Não culpo ninguém por pensas assim. Há coisas em mim que são irritantes. Coisas que eu faço sem me aperceber que podem fazer qualquer um revirar os olhos. "Lá está ela outra vez". E isso é completamente justificado. Eu não só não me importo como dou razão a quem o fizer porque eu sei que ainda existe tanto para mudar.
Tenho que crescer como pessoa. Tenho que perceber que eu daqui não vou sair e que para ser feliz só posso mudar. Mas há tantas coisas... existe tanto a fazer que eu sinto-me cansada. E pergunto-me muitas vezes se valerá a pena.
Não me quero fazer de vítima para ninguém porque eu só estou na situação em que estou por minha causa. Tenho duas doenças que me acompanham mas não me podem vencer porque eu tenho que lutar contra as duas e agir como uma pessoa normal. Eu gostava tanto de ser uma pessoa normal, sabem?
Daquelas que não fica triste sem razão, que não faz fitas porque não consegue controlar as suas emoções e que não tem filtro nenhum naquilo que diz. Preciso de mudar, é isso.
Mas como?
Não é tão fácil assim mudar e tornar-me uma pessoa completamente diferente quando passei 25 anos da minha vida de uma determinada forma. Já percorri um longo caminho desde que comecei esta viagem toda e sei que progredi consideravelmente mas isto não é o suficiente.
Quero que saibam que, apesar de toda esta tristeza que me faz escrever isto, é importante lutar e esforçarem-se para melhorarem as vossas vidas e saírem de quaisquer buracos em que caiam.
A tristeza faz parte da vida. A dúvida acompanha-nos sempre. É normal eu sentir-me assim mas também é importante que eu neste momento perceba exactamente porque estou assim. É isso que me fará sair do fundo do poço que não é dos mais fundos onde estive.
A vida é uma coisa muito interessante. Vamos sempre pensar se valerá ou não a pena lutar tanto e provavelmente nunca vamos saber mas se não tentarmos é que não chegaremos mesmo a lado nenhum.
Eu estava a trabalhar num emprego que não me fazia feliz onde a cada dia que passava sentia a energia e vontade de dar o meu melhor abandonarem-me juntamente com a minha dignidade. Há pessoas que talvez não concordem mas há um ano atrás eu estava a pôr o meu trabalho à frente de tudo o resto na minha vida.
Há um ano atrás estava cansada de pessoas. Não conseguia lidar com quem me faltasse ao respeito. Respondia e irritava-me porque estava farta de ser pisada. Estava revoltada. Fosse com clientes ou colegas eu sentia que não havia ninguém que me entendesse ali. Ou em qualquer outro lado com quaisquer outras pessoas. Há um ano atrás eu sentia-me sozinha.
Há um ano atrás eu estava magoada. Não sabia porquê mas estava frágil. Sentia-me a cair num abismo onde eu não conseguia ver o fundo e sem paraquedas às costas. Chorava e sentia um enorme sufoco a tomar conta de mim, a tirar todo o ar do meu peito e a vida de todo o meu corpo.
Há um ano atrás eu tinha dores. Hoje também tenho mas há um ano atrás eu não aceitava que pudesse ser tão nova e sofrer assim. Continuo sem aceitar totalmente mas estou mais compreensiva. Naquela altura não aguentava viver, só existir. O meu corpo estava sempre a lutar contra mim. Eu andava completamente esgotada e tão cansada de ter dores tão fortes que só me apetecia desaparecer.
Há quase um ano atrás eu tentei desaparecer.
Não vale a pena esconder. Não vale a pena pôr-me com rodeios porque faz parte da minha vida e faz parte de quem sou hoje. Se há um ano atrás não tivesse feito o que fiz, certamente não estava onde estou hoje. Há um ano atrás tentei-me suicidar.
E depois encontrei a luz.
Um hospital, um serviço, um grupo.
Há dez meses atrás eu entrei para uma família. Uma família que só existia ali, onde eu podia ser o mais verdadeira possível e falar de tudo sem medos. Onde descobri tanto sobre mim e sobre o mundo, tanto sobre a vida. Um lugar onde me encontrei, onde percebi o que eu gostava e que não gostava. Onde pus em marcha a minha própria revolução contra quem eu queria pelas razões que eu queria e ser perdoada por levar as coisas para extremos. Foi onde eu aprendi a acabar de tricotar um cachecol, a fazer uma caixa em dobragem de papel, a costurar, a fazer coisas deliciosas e acima de tudo a perdoar. A perdoar-me a mim própria, a perdoar o mundo e a perdoar o passado.
Há um ano atrás eu sentia-me perdida. Hoje sinto que me encontrei.
Hoje tive alta. Despedi-me das pessoas, percebi que já não faço parte daquela família e que posso dizer adeus mas não faz mal porque há coisas e pessoas que não são o destino, são apenas a viagem.
E apesar de saber que tenho um longo caminho pela frente e tanta coisa ainda para resolver dentro da minha cabeça - um novelo tão grande e emaranhado que eu própria não sei todos os problemas - que posso demorar uma vida inteira a chegar lá; eu sei que vale a pena.
Eu sei que eu estou aqui e que posso vencer. Posso ser eu própria porque eu tenho valor. Posso fazer as coisas que gosto e aprender novas coisas que também gosto. Posso dizer que não e posso ser assertiva sem ter que ser agressiva. Posso compreender que existe bom no mau e mau no bom. Posso aceitar que nem sempre a vida vai ser justa e que me vou magoar muitas vezes mas que é bom chorar e libertar os sentimentos para não os acumular e torná-los piores. Posso ser alguém. Posso ser feliz.
Não quer dizer que faça todas estas coisas ou que de repente esteja completamente curada e uma pessoa totalmente nova mas há um ano atrás eu não era assim.
Há um ano atrás eu não sabia quem sou e hoje sei que sou a Filipa.
Pela primeira vez na minha vida fui alvo de preconceito. Sempre tive sorte em não ser discriminada, sou uma mulher branca heterossexual num país relativamente desenvolvido. Acho que me safo bastante bem no que toca a preconceitos por isso não estava de todo à espera do que me aconteceu hoje.
Todos os dias utilizamos os transportes públicos para chegar onde precisamos. Eu apanho todos os dias o comboio para o mesmo destino da mesma forma que milhares de pessoas o fazem. Entro, vou para o sítio mais livre de pessoas (claustrofobia é lixada) e sento-me num lugar vago ou fico em pé à espera que alguém saia nas próximas estações. Acho que a maioria das pessoas faz isso, não é nada de especial.
Hoje ia em pé, entretida a jogar pokémon go, quando uma senhora se levantou para sair. Eu aproveitei e sentei-me porque vocês estão fartos de saber o que passo todos os dias com o meu corpo. Acordo cansada, deito-me cansada, tenho dores, o corpo pesa, etc. É normal, eu tenho fibromialgia.
Sentei-me num lugar que não era prioritário. Sentei-me porque apanhei a oportunidade, porque queria e acima de tudo porque precisava. Só que isso não importa para nada, não é?
Como eu pareço uma pessoa perfeitamente saudável tive logo que ouvir uma troca de comentários desagradáveis de duas mulheres com idade para terem juízo. "Sinceramente", "isto realmente", algo do género as pessoas não têm a noção.
Eu respondi, com educação e a voz baixa que lá por ser nova não significa que não precise do lugar apesar de não me terem sequer deixado acabar a frase. Fui atacada como se tivesse acabado de cometer um crime atroz, mandaram-me calar, humilharam-me e mandaram-me voltar para o meu jogo como se eu fosse uma criança.
Tentei explicar à senhora, que directamente queria o lugar só porque é mais velha (apesar de também parecer saudável) que eu tinha fibromialgia e nem sei o que ia dizer mais porque a bruxa virou a cara como se eu fosse lixo e mais uma vez a outra mulher que tem mais ou menos a minha idade atacou-me.
Eu não dei o lugar porque preciso dele. As pessoas não sabem mas eu sei. Eu tenho a doença, eu lido com ela todos os dias. Eu esforço-me 24 horas por dia para ter uma vida normal e fingir que não me dói da ponta do cabelo à ponta dos dedos dos pés.
Ninguém me defendeu porque a humanidade já se perdeu completamente. Eu era a má da fita. Num comboio cheio em hora de ponta ninguém se levantou para dar o lugar a uma pobre senhora que nem sequer pediu e eu fui a má da fita.
Já agora, um facto interessante sobre a lei: os maiores de 65 anos só têm prioridade aos lugares se demonstrarem incapacidades físicas e/ou mentais. Isto parece irónico porque eu não apresento sinais físicos de doença mas isto é só para saberem a lei.
Eu não cheguei e exigi um lugar. Apenas fui mais rápida, estava no meu direito. Vocês que conhecem um bocado sobre mim sabem que eu tenho sentido de solidariedade. Gosto de ajudar as pessoas.
Hoje fizeram-me sentir pequenina, pequenina, pequenina.
Escusado será dizer que fui a viagem toda a chorar e a soluçar em silêncio sem me conseguir controlar. Tive meia hora a chorar sem parar porque na minha cabeça não me fazia sentido ser injustiçada daquela forma quando as pessoas nem sabiam o que estavam a dizer.
Eventualmente acalmei-me (com ajuda da mamã; sou uma mimada) e preocupei-me com as aulas. O dia passou e eu já não choro mais mas é um sentimento de revolta enorme que guardo dentro de mim ao saber que para o resto da minha vida as pessoas vão olhar e achar que sou saudável quando por dentro estou a batalhar tanto para não cair.
Estou cada vez mais desiludida com o ser humano. Quanto mais conheço dele, mais gosto do meu cão.
Mas não liguem, esta gente nova é que é mal educada.
Nos últimos meses acho que fiz jus ao "ano novo, vida nova" que não prometi a mim própria este ano. Não prometi porque honestamente não tinha a mínima esperança de que a minha vida fosse mudar ou melhorar ou qualquer coisa do género. Na verdade esperava exactamente o contrário e nesse caso o cenário era bastante mais trágico.
Mas aqui estou eu, quase oito meses depois do início de 2019 e embora não esteja completamente mudada nem tenha ultrapassado todos os meus problemas, já posso dizer que estou diferente.
A maioria das diferenças não se vê e continuo a cair todos os dias em erros que tenho noção que devo mudar mas ao mesmo tempo eu já consigo identificá-los e saber porque é que não os devo cometer. Como já disse várias vezes isto não é fácil mas é um processo demorado e as coisas têm que ser bem feitas para não voltarem a acontecer desgraças.
Gostava de vos contar algo inspirador, a sério que gostava, só que não há milagres nem feitiços encantados que me façam ficar bem do dia para a noite.
Não vos consigo dizer o quanto quero ficar bem. O quanto quero ser uma adulta responsável e com um trabalho que me faça progredir, interesses que me inspirem e me façam continuar a viver e a levantar-me sempre que algo me mandar abaixo. Sinto que há quem não acredite em mim e que não consiga ver todos os esforços que tenho feito (e têm sido enormes) para melhorar. Gostava imenso de poder mostrar que não desisti, nem vou desistir e que o meu coração ainda acredita que daqui a uns tempos vou agradecer ter ultrapassado toda esta tempestade.
Por enquanto só me resta ir dando passinhos de bebé até um dia olhar para trás e perceber que esses passinhos se tornaram gigantes e que eu passei a ser um ser com uma mente e uma força gigante.
Cresci como uma criança tímida que detestava fazer avaliação de educação física à frente da turma com medo de falhar. Nunca tive facilidade em fazer amigos e a melhor altura do meu dia é quando estou sozinha e não preciso de falar ou ouvir ninguém. Resumindo, sou uma pessoa introvertida.
É claro que isso não é um enorme problema nem tem qualquer relação com a fibromialgia assim à primeira vista. Existem milhões de pessoas neste mundo que sentem as mesmas dificuldades em socializar e continuam a viver a vida delas felizes e contentes tentando alcançar os seus objectivos e a realizar os seus sonhos. Não é um problema, são apenas personalidades.
Mas as coisas mudam quando para além de introvertidos nos aparece uma pergunta na cabeça que chega tão rápido e doloroso como uma chapada na cara. O que é que eu estou a fazer aqui? Qual é o meu lugar aqui?
Por norma quando nós nascemos temos ali uns aninhos agradáveis em que não fazemos absolutamente nada da vida para além de comer, dormir e brincar. Somos felizes sem razão, apenas porque sim. Não questionamos o sentido da vida, não pensamos no trabalho que vamos ter no futuro ou nas responsabilidades que nos esperam. Somos inocentes e puros.
Depois chega ali por volta da altura do sétimo ou oitavo ano em que finalmente nos começamos a aperceber que os adultos esperam que nós - miúdos de treze e catorze anos - tenham alguma ideia do que "querem ser quando forem grandes" de uma forma mais realista. Passamos o nono ano a estudar para uns exames que todos (sem excepção) odiamos ter que fazer e quando, no fim disso tudo, tratamos dos papéis e matrículas para o décimo ano confrontam-nos com uma questão importante: o que é que vamos fazer a seguir?
Vamos para o ensino regular ou vamos tentar o profissional? Queremos línguas e humanidades, economia ou ciências? Queremos ser médicos, políticos, atletas, biólogos? Queremos o quê?
É aí que a coisa complica porque sejamos sinceros: quase nenhum miúdo nos seus quinze anos sabe o que quer da vida. Aquilo que sabemos é que para nós o ideal era sermos algo como estrelas de cinema, verdadeiros rockstars ou artistas que vão mudar o mundo. Queremos voar. Queremos ser reconhecidos, ser alguém.
Lá acabamos por escolher aquilo que achamos mais realista ou então somos corajosos e seguimos o nosso coração na esperança que façamos da nossa paixão um trabalho no futuro.
O que importa é que a primeira vez que fazemos a primeira escolha importante do resto das nossas vidas somos uns adolescentes imaturos e completamente perdidos.
Mas tudo bem, vamos à luta. É altura do secundário - literalmente a pior altura da minha vida - e começamos a estudar coisas que se calhar não nos interessam mesmo para nada e pensamos num momento ou outro se escolhemos bem. Enfim, já está, já está, vamos lá acabar o secundário e despachar a coisa.
Acaba a escola. Dezoito anos e está na altura de realmente nos atirarmos aos lobos. Para os mais sortudos é altura da faculdade e da vida louca (ou não) e para outros é hora de nos fazermos de crescidos e começar a trabalhar. Sem curso e experiência vemo-nos obrigados a aceitar trabalhos que não nos interessam para nada, que nos exploram e nos pagam tão mal que quase choramos ao ver o ordenado no final do mês.
Mas não há problema, nós conseguimos. Isto é só para ganhar experiência e em breve vamos conseguir crescer numa empresa e encontrar algo que gostamos de fazer ou então vamos só juntar uns trocos para tirar a nossa licenciatura. Parece simples, não há nada que possa falhar num plano em que é só 1: trabalhar ou estudar, 2: colher os louros. Só que não.
A vida complica-se. A universidade é mais difícil do que parecia, o trabalho leva-nos ao limite de nos tornarmos psicopatas e temos que lidar com tudo com a maior maturidade possível porque já não somos crianças e isso é esperado de nós. As coisas começam a correr mal. Não conseguimos estudar ou ter realmente boas notas. Não conseguimos aturar mais tretas de clientes que descarregam os problemas todos da vida deles em nós. Não conseguimos lidar com a enorme desilusão de estarmos a ser esmagados pela sociedade e pela realidade.
O que é que acontece quando percebemos que nada disto é o que queremos?
Eu perdi o meu lugar. Na verdade nunca sei se alguma vez o tive ou soube onde realmente pertencia. Quando andava no oitavo ano achava que tinha a minha vida decidida e estruturada mas estava enganada porque a vida seguiu um rumo que eu não esperava e não queria. E quando de repente vi o tempo estava a passar e os meus sonhos pareciam cada vez mais longe percebi que o mundo real era bem mais frio e duro do que eu achava. Afinal só estamos aqui para ser mais um número. Para viver, trabalhar até o estado querer, descontar dinheiro que nunca vamos rever, ter direito a uma reforma miserável e morrer doentes, infelizes e acima de tudo sem nunca termos realizado o que queríamos.
Este pensamento magoou-me e assombrou-me durante tanto tempo que ainda hoje, que o tento contrariar ao máximo, me faz duvidar se a vida vale verdadeiramente a pena. Por isso senti-me perdida. Sinto-me perdida.
O pior pesadelo de um ser humano é ser confrontado com uma realidade que implica viver na mediocridade e, talvez, uma infelicidade constante? Vá, até posso estar a ser dramática mas eu não quero de todo entregar-me àquilo a que todos se entregam: trabalhar para pagar as contas no final do mês e nada mais.
Se estamos todos aqui para isto qual é o verdadeiro sentido de viver? Porque é que passamos uns 60 anos da nossa vida a criar dinheiro para outras pessoas usarem e abusarem quando nós não temos tempo nem sequer para explorar coisas novas, encontrar interesses que nos façam crescer como seres humanos. Porque é que vivemos durante tempo para morrermos insatisfeitos?
Esta é a dúvida que me percebe há muitos anos e que me faz ter vontade de desistir e nem sequer tentar ser mais uma prisioneira de uma sociedade que não foi feita para pessoas como eu. Não me acho especial, nem nada. Acho apenas que a vida não é para toda gente. Tal como nem todos nasceram para ser guitarristas, por exemplo.
Mas não se assustem. Ultimamente tenho tentado combater este meu conflito interior ao resolver os meus problemas pessoais e acima de tudo descobrir quem eu sou. Eu nunca soube quem era. Sempre soube quem eu não era e o que eu não queria. Sempre conheci a dor, a desilusão e a solidão e no meio disto tudo nunca consegui quebrar o ciclo e ver para lá do mal, ver quem eu realmente sou e o que represento.
Nunca consegui até agora.
O caminho tem sido difícil. Nem vos consigo explicar como tem sido complicado mudar completamente a minha mentalidade e começar a acreditar em coisas novas e, no fundo, a ter esperança de que há uma razão maior para eu estar aqui. Ainda não sei qual é mas tenho a certeza de que é importante continuar a lutar contra a depressão e contra a fibromialgia para me descobrir porque eu sei que sou mais do que distúrbios ou doenças. Eu sou mais que isso. Eu tenho qualidades e tenho potencial para ser mais. Para ser especial.
Ainda tenho muito medo de tantas coisas. Tenho medo da rejeição, da desilusão. Tenho medo de não ser boa o suficiente e de ser uma pessoa dispensável para os outros. Tenho medo de não conseguir sair do posso e de estar a esforçar-me para chegar um dia e perceber que nada vale a pena. Tenho medo que o corpo me falhe. Tenho medo que a cabeça não dê para mais. Tenho medo de não ter a inteligência ou as capacidades necessárias. Tenho medo de me resignar a ser infeliz num trabalho que não gosto. Tenho medo de voltar ao que era antes.
Mas mesmo com todo esse medo eu não deixo de seguir em frente. Estou a continuar e a esforçar-me como nunca me esforcei antes para navegar por mares desconhecidos e ver para lá do meu medo. De que me vale estar aqui se não vou tentar explorar e se vou ficar sempre presa a uma ilha de revolta e infelicidade? Eu vou navegar e vou descobrir. Talvez não seja uma descoberta tão importante como o caminho marítimo para a Índia mas vai ser mais significativa para mim e vai-me permitir alcançar muito mais.
Ainda não sei o que é ou onde é. Ainda não sei quem sou nem do que sou capaz.
Sabem aquilo que nos faz funcionar todos os dias e nos distingue completamente de todos os animais existentes no planeta? Ora aí está: emoções.
O que torna este tema interessante para mim é o facto de não só me lixar porque tenho que lidar com elas para ter a vida minimamente estável como, assim que me deparo numa daquelas situações complicadas em que só me apetece explodir, as dores pioram.
Vamos fazer uma pausa para toda a gente fingir que está surpreendida. A fibromialgia tem a ver com as emoções? Que informação dramática.
Mas agora a sério, o maior problema da minha vida é sem qualquer dúvida esse. Ter que resolver problemas e não "panicar" logo de início, ficar frustrada e não bater em toda a gente, receber uma boa notícia e não sentir o êxtase que parece que andei nas drogas.... Isso tudo é importante para uma vida saudável mental e física.
Acontece que aqui a vossa amiga sabe isto tudo na teoria e depois quando chega a altura de pôr em prática... nada. Espalho-me ao comprido como se fosse um veado acabado de nascer. Ou como naquela vez que caí de cu na lama.... ou de cu em Madrid... ou de cu pelas escadas abaixo... Ora aí está uma acção representativa da minha vida.
Como eu estava a dizer eu não consigo ainda lidar com as emoções como se fosse uma adulta responsável. Sei colocar os papéis do IRS, mas resolver os meus conflitos interiores nem por isso. Que ironia.
Só que eu não sou a única e por isso é que estamos aqui. A verdade é que a grande maioria dos problemas da nossa vida (se é que não são todos) provém exactamente da nossa incapacidade de sentir uma coisa e descortiná-la da forma mais simples possível. Mas não, nós como somos pessoas super inteligentes pegamos nessa dita coisa, damos-lhe cinquenta voltas para ficar emaranhada como um novelo, damos-lhe uns suplementos alimentares para ela crescer e ensinamo-la a ser teimosa e quando damos por nós onde é que aquilo já vai. E como ela, fazemos o mesmo a tantas outras que sentimos.
Se vos disser que a minha médica hoje me disse que eu tenho feito um enorme trabalho no hospital a tratar de mim própria provavelmente não acreditariam. E é tudo muito bonito: eu chego lá, falo dos meus problemas, começo a ver soluções, começo a fazer planos de vida e quero é andar para a frente. Parece espectacular até ao momento em que acordo um dia e me sinto na verdadeira merda.
O que é que aconteceu? Porque é que eu estava tão bem e agora sinto que nada nesta vida faz sentido? Se vos conseguisse responder a isto claramente não estava lá no hospital. Já tinha tido alta e um certificado de honra de psiquiatria. Só que não.
As emoções fazem de nós quem somos. Não esperem, não é isto que eu quero dizer. As emoções fazem-nos mostrar quem as outras pessoas acham que somos no nosso dia-a-dia porque se não as conseguirmos controlar vamos obviamente parecer alguém que nem sequer reconhecemos no espelho. Elas fazem-me ser agressiva e implicativa, fazem-me criticar tudo e todos à minha volta, fazem-me não aceitar ser contrariada, fazem-me chorar demasiado e estar a rir feliz no momento a seguir. Às vezes não entendo como é que as pessoas ainda não me colocaram oficialmente o autocolante na testa a dizer "maluca" mas deve estar quase.
Também me fazem ser má para as pessoas que gosto e descarregar a minha revolta acumulada em quem não merece. E isso faz ricochete e acerta-me como um soco no estômago quando percebo que estou a errar e não me consigo controlar. Eu consigo, só que ainda não sei como.
Neste frenesim de sentimentos e acções tresloucadas o meu corpo decide-se juntar à festa e começa uma dor ali, outra dor aqui até que quando dou por mim já não me mexo. É profundamente ridículo e enervante porque eu não quero aceitar que isto seja só uma coisa da minha cabeça e que a culpa é minha mas cada vez que me enervo sinto dores como se me estivesse a castigar a mim própria por efectivamente ser humana.
Isto não é bom como é óbvio porque como devem calcular eu passo o dia numa montanha russa de sentimentos, emoções, estados de espírito e tudo o que signifique que não estou boa da cabeça. Quando chego ao fim do dia estou tão cansada que nem consigo ouvir a minha própria voz da consciência a pensar em qualquer coisa. Pior ainda é que quando durmo não consigo descansar e no dia a seguir recomeça esta aventura toda.
Por isso, na teoria a questão é muito simples: é preciso saber lidar com as emoções. Até aí tudo bem.
Ontem fez quatro meses que decidi mudar a minha vida e entrar para um tratamento psiquiátrico intensivo. Parece assustador não é? "Tratamento psiquiátrico intensivo", "hospital de dia", "internamento parcial".
Mas sabem o que aprendi nestes noventa e cinco dias?
Nem sei por onde vos começar a contar.
Em primeiro lugar, temos que começar a descomplicar e a perder o medo da expressão "saúde mental". Aliás, não é desse conceito, deixem-me reformular: temos que perder o medo de falar de depressão, ansiedade, suicídio, distúrbios mentais, perturbações psicológicas e esses nomes todos estranhos que as pessoas normalmente fogem. Elas existem e uma enorme parte da população mundial sofre delas. Sem vocês saberem, podem estar no dia a dia a falarem com dezenas de pessoas que sofrem de perturbações mentais em completo silêncio.
Vamos aos números: mais de 12% das doenças que existem no mundo inteiro são de foro psiquiátrico e, dessa percentagem, 4,4% pertence a pessoas que sofrem de depressão. Directamente falando, isto significa que mais de 300 milhões de pessoas no mundo lidam com depressão todos os dias. Se quiserem algo mais chocante a principal causa de mais de 800 mil mortes todos os anos do mundo é a depressão.
A única coisa que vos deve preocupar ainda mais que isto é saber que dentro deste gigante aglomerado de 300 milhões de pessoas, um quarto recebe tratamento e apenas 10% deles é que tem um tratamento adequado. Se não vos apetece fazer contas, deixem-me ajudar: de 300 milhões de pessoas a sofrer, 75 milhões recebe tratamento e 7,5 milhões é que se sente realmente ajudada.
Em Portugal 22,9% das pessoas sofrem de uma perturbação psiquiátrica, isto é um quinto da população nacional e é muito mais do que vos possa parecer. Nós somos 10 milhões de habitantes neste país e 2 milhões e 290 mil pessoas estão a sofrer todos os dias com uma perturbação mental. Uma em cada cinco pessoas sofre. Estão a ver a gravidade?
E em vez de falarmos, de alertarmos, de educarmos e tratarmos tentamos censurar a palavra e fingir que nada acontece. Criamos adultos perturbados e disfuncionais que por sua vez vão ter filhos que vão crescer numa situação familiar que não é de todo adequada. Em vez de enfrentarmos o demónio de frente, estamos a reprimi-lo porque ele é um tabu.
No meio disto descobri uma experiência que me veio abrir tanto os olhos.
Ao início pensei que fosse para ter seguimento normal com umas quantas consultas de dois em dois meses ou algo do género. Até que me vi numa sala com psiquiatras, psicólogas e enfermeiras a olhar para mim, todos muito sérios. Estava numa entrevista. Só que não era de emprego, era pior.
Quando me disseram as palavras "hospital de dia" tive vontade de gritar. Primeiro porque sempre associei hospitais de dia a centros onde os velhinhos vão quando não têm nada para fazer e depois porque hospital psiquiátrico não é de todo apelativo ao ouvido.
A minha primeira reacção foi um forte "não" com letras maiúsculas e a negrito e com um ponto de exclamação enorme a pairar por cima da minha cabeça. Como isso não era visível vim para casa com uns dias para pensar se aceitaria entrar no programa ou não. Com um diabinho num ombro e um anjinho no outro lá me decidi que iria atirar-me de cabeça porque era tudo muito melhor do que esperar sentada por uma consulta de psiquiatria que nunca mais vinha. Lembram-se da história?
O tempo passou e a cada semana senti que me ia descobrindo um bocadinho mais. E tenho direito a tantas coisas que não vos passa pela cabeça. Tudo sem pagar porque é num hospital público. Para além do mais, de quinze em quinze dias tenho lá a minha família não só para verem como me vou dando mas também para resolver qualquer tipo de problema que eu sinta necessário tratar.
O que eu quero dizer com isto é que eu sei que este hospital de dia é um dos poucos que existem em Portugal e é sem dúvida o melhor que existe porque eu já ouvi várias pessoas e vários profissionais a dizê-lo.
Sei que no norte do país nem sequer existem estes programas e como aí também noutros lados menos povoados as pessoas vêem-se completamente sozinhas no que toca a ajuda e acompanhamento. O que me deixa triste é saber que para muitas dessas pessoas a vida chega ao fim.
Eu não sou a única a ter pensamentos maus. Não sou a única a cometer erros na vida e a querer desistir de tudo e para além de ter encontrado pessoas com as quais me identifico estou a encontrar-me a mim própria e isso é o mais importante de tudo. Descobri problemas na minha vida que eu nem sabia que existiam e que estavam a limitar-me de uma forma tão intensa que eu nunca imaginaria como solucioná-los.
Ainda não sei mas estou a caminhar para lá.
Não se iludam. Os pensamentos continuam cá. A dor e a tristeza profunda ainda não me abandonaram mas eu já consigo ver uma pequena luz ao fundo do túnel que tem um potencial enorme para crescer. Eu também tenho potencial para crescer, para me tornar numa pessoa melhor, uma pessoa mais forte.
Gostava que mais pessoas tivessem a oportunidade de fazer o caminho que eu estou a fazer agora e espero que no futuro exista uma luta maior pela saúde mental. Até lá vou tentar pôr-me boa para me juntar a essa batalha.
Mas de uma coisa podem ter a certeza, eu vou lutar. Seja por mim, seja por todas as outras pessoas que sofrem, eu vou estar lá na linha da frente a dar o corpo às balas se for preciso porque vou estar mais forte para proteger e dar a mão a quem está frágil e não consegue ter forças para lutar.
Sempre na esperança de que um dia Portugal seja um país com mais saúde e quem sabe mais felicidade.