O nosso próprio inferno.
Sabem aquela sensação de estar a viver a mesma situação vezes e vezes sem conta sem poderem fazer nada, sabendo que estão constantemente a ser torturados com a dor física e psicológica que vem com toda aquela imagem?
Há quem diga que ando a ver demasiado a série da Netflix Lúcifer mas tenho vindo a aperceber-me que por mais que eu tente mudar as coisas para o positivo, o útil é o proactivo, volto sempre ao mesmo sítio. Àquele momento inicial em que me sinto em baixo por coisas que nem sei desvendar e o meu corpo, oh se eu pudesse explicar o quanto ele me tortura. É isso que me faz sentir o inferno na terra.
No último ano e tal, envolvi-me num objectivo de vida que seria tirar um curso de especialização tecnológica em gestão de turismo e a partir daí trabalhar em algo que me dates fizesse até poder seguir o meu sonho de psicóloga criminal. Aqui gostaria de fazer um aparte para agradecer a nada mais nada menos que à Joana Amaral Dias que reforçou esse meu sonho ao escrever no livro que tenho dela "para a minha futura colega Filipa".
Acontece que entretanto apareceu o COVID e toda aquela história sobre acabar o curso e o estágio é rapidamente arranjar um bom trabalho estável e com um ordenado decente ficou para trás. Estamos todos no mesmo barco. Todos a ficar doentes e sem dinheiro e sem sítios para nos virarmos ou um lugar onde cair mortos. Aqui diria que isto passa a ser o inferno colectivo na terra.
Na série que ando a ver, as pessoas que acabam no inferno são pessoas que sentem culpa por qualquer coisa má que fizeram e vivem essa situação repetidamente mexendo com a mente deles da forma mais macabra e demente possível. Mas que posso eu dizer, é o inferno certo?
No meu caso, eu não sinto culpa de qualquer depressão ou fibromialgia que possa ter mas continuo todos os dias a passar pelo mesmo. Não durmo e quando eventualmente adormeço só tenho pesadelos que me impedem de descansar; ando constantemente física e psicologicamente cansada porque estou a deixar de ver aquela luz ao fundo do túnel brilhar como antes; sou uma inútil. Trabalho a partir de casa de pijama, sentada na cama e a desejar cair para o lado a dormir porque tento ao máximo concentrar-me e isso drena-me toda a energia (que já é quase zero); não consigo ajudar nas tarefas domésticas como devia e aí sim sinto-me absolutamente culpada porque quando se vive em família, todos devem ajudar um bocadinho. De vez em quando lá ajudo com a roupa e ponho a mesa, tiro a louça da máquina, mas será que isso chega? Não.
Quero ser uma adulta funcional. Tenho 26 anos, porra! E sinto-me como uma adolescente de 14 que ainda está a lidar com os problemas da puberdade. Só que estes são um bocadinho diferentes.
Eu tento sair para ver se isso cura a minha incapacidade de lidar com a fibromialgia e sei que muita gente pensa que eu não sinto dores quando saio porque caso contrário não saía não é? Mas eu sinto é forço-me a ir para não ficar na rotina que é uma espiral autodestrutiva e eu sei muito bem onde essa espiral acaba porque já lá estive uma vez. Prometi a mim mesma, à minha família, aos meus amigos e aos meus médicos que não voltaria a estar lá.
Quando saio tento estar animada como a Filipa maluca que todos conhecem mas honestamente perdi a vontade de ser assim. Ultimamente não me apetece socializar ou falar com pessoas, seja pessoalmente ou pelo telemóvel. Perdi a necessidade de atenção porque para quê ter atenção quando não posso desfrutar dela?
Estou bastante negativa, não vos vou mentir. De vez em quando tropeço e caio em poços fundos que me puxam para a escuridão e para coisas que não quero sentir mas eu tento sempre agarrar-me à pedra com as mãos. Começo a ficar cansada de ser puxada e não fazer ideia de como evitar cair.
Quando me deram alta achavam que eu estava preparada para a vida, para enfrentar os meus problemas mas nunca me deram ferramentas para enfrentar este monstro dentro de mim que não tem cura e anda agarrado às minhas costas 24 horas por dia. Se eu merecia o inferno, posso dizer que estão de parabéns porque é definitivamente a pior tortura que eu poderia aguentar.
Eu não acredito no céu nem no inferno. Nem no diabo, nem no Deus que a maioria das pessoas acredita. Por isso isto para mim é uma metáfora interessante e irónica de falar. Só que neste momento é a única forma de exprimir por palavras o que me vai na alma.
A única forma de escapar ao meu próprio inferno e tentar encontrar um bocadinho de paz. Acho que até eu mereço isso.