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Cronicamente Fabulosa

Tenho fibromialgia, mas também sou fabulosa e esta é a grande aventura que é a minha vida.

Cronicamente Fabulosa

Tenho fibromialgia, mas também sou fabulosa e esta é a grande aventura que é a minha vida.

Há um ano atrás.

por AF, em 18.10.19

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Há um ano atrás a minha vida era diferente.

Eu estava a trabalhar num emprego que não me fazia feliz onde a cada dia que passava sentia a energia e vontade de dar o meu melhor abandonarem-me juntamente com a minha dignidade. Há pessoas que talvez não concordem mas há um ano atrás eu estava a pôr o meu trabalho à frente de tudo o resto na minha vida.

Há um ano atrás estava cansada de pessoas. Não conseguia lidar com quem me faltasse ao respeito. Respondia e irritava-me porque estava farta de ser pisada. Estava revoltada. Fosse com clientes ou colegas eu sentia que não havia ninguém que me entendesse ali. Ou em qualquer outro lado com quaisquer outras pessoas. Há um ano atrás eu sentia-me sozinha.

Há um ano atrás eu estava magoada. Não sabia porquê mas estava frágil. Sentia-me a cair num abismo onde eu não conseguia ver o fundo e sem paraquedas às costas. Chorava e sentia um enorme sufoco a tomar conta de mim, a tirar todo o ar do meu peito e a vida de todo o meu corpo.

Há um ano atrás eu tinha dores. Hoje também tenho mas há um ano atrás eu não aceitava que pudesse ser tão nova e sofrer assim. Continuo sem aceitar totalmente mas estou mais compreensiva. Naquela altura não aguentava viver, só existir. O meu corpo estava sempre a lutar contra mim. Eu andava completamente esgotada e tão cansada de ter dores tão fortes que só me apetecia desaparecer.

Há quase um ano atrás eu tentei desaparecer.

Não vale a pena esconder. Não vale a pena pôr-me com rodeios porque faz parte da minha vida e faz parte de quem sou hoje. Se há um ano atrás não tivesse feito o que fiz, certamente não estava onde estou hoje. Há um ano atrás tentei-me suicidar.

E depois encontrei a luz.

Um hospital, um serviço, um grupo.

Há dez meses atrás eu entrei para uma família. Uma família que só existia ali, onde eu podia ser o mais verdadeira possível e falar de tudo sem medos. Onde descobri tanto sobre mim e sobre o mundo, tanto sobre a vida. Um lugar onde me encontrei, onde percebi o que eu gostava e que não gostava. Onde pus em marcha a minha própria revolução contra quem eu queria pelas razões que eu queria e ser perdoada por levar as coisas para extremos. Foi onde eu aprendi a acabar de tricotar um cachecol, a fazer uma caixa em dobragem de papel, a costurar, a fazer coisas deliciosas e acima de tudo a perdoar. A perdoar-me a mim própria, a perdoar o mundo e a perdoar o passado.

Há um ano atrás eu sentia-me perdida. Hoje sinto que me encontrei.

Hoje tive alta. Despedi-me das pessoas, percebi que já não faço parte daquela família e que posso dizer adeus mas não faz mal porque há coisas e pessoas que não são o destino, são apenas a viagem.

E apesar de saber que tenho um longo caminho pela frente e tanta coisa ainda para resolver dentro da minha cabeça - um novelo tão grande e emaranhado que eu própria não sei todos os problemas - que posso demorar uma vida inteira a chegar lá; eu sei que vale a pena.

Eu sei que eu estou aqui e que posso vencer. Posso ser eu própria porque eu tenho valor. Posso fazer as coisas que gosto e aprender novas coisas que também gosto. Posso dizer que não e posso ser assertiva sem ter que ser agressiva. Posso compreender que existe bom no mau e mau no bom. Posso aceitar que nem sempre a vida vai ser justa e que me vou magoar muitas vezes mas que é bom chorar e libertar os sentimentos para não os acumular e torná-los piores. Posso ser alguém. Posso ser feliz.

Não quer dizer que faça todas estas coisas ou que de repente esteja completamente curada e uma pessoa totalmente nova mas há um ano atrás eu não era assim.

Há um ano atrás eu não sabia quem sou e hoje sei que sou a Filipa.

E para mim isso basta.

Preconceitos.

por AF, em 02.10.19

Pela primeira vez na minha vida fui alvo de preconceito. Sempre tive sorte em não ser discriminada, sou uma mulher branca heterossexual num país relativamente desenvolvido. Acho que me safo bastante bem no que toca a preconceitos por isso não estava de todo à espera do que me aconteceu hoje.

Todos os dias utilizamos os transportes públicos para chegar onde precisamos. Eu apanho todos os dias o comboio para o mesmo destino da mesma forma que milhares de pessoas o fazem. Entro, vou para o sítio mais livre de pessoas (claustrofobia é lixada) e sento-me num lugar vago ou fico em pé à espera que alguém saia nas próximas estações. Acho que a maioria das pessoas faz isso, não é nada de especial.

Hoje ia em pé, entretida a jogar pokémon go, quando uma senhora se levantou para sair. Eu aproveitei e sentei-me porque vocês estão fartos de saber o que passo todos os dias com o meu corpo. Acordo cansada, deito-me cansada, tenho dores, o corpo pesa, etc. É normal, eu tenho fibromialgia. 

Sentei-me num lugar que não era prioritário. Sentei-me porque apanhei a oportunidade, porque queria e acima de tudo porque precisava. Só que isso não importa para nada, não é?

Como eu pareço uma pessoa perfeitamente saudável tive logo que ouvir uma troca de comentários desagradáveis de duas mulheres com idade para terem juízo. "Sinceramente", "isto realmente", algo do género as pessoas não têm a noção.

Eu respondi, com educação e a voz baixa que lá por ser nova não significa que não precise do lugar apesar de não me terem sequer deixado acabar a frase. Fui atacada como se tivesse acabado de cometer um crime atroz, mandaram-me calar, humilharam-me e mandaram-me voltar para o meu jogo como se eu fosse uma criança.

Tentei explicar à senhora, que directamente queria o lugar só porque é mais velha (apesar de também parecer saudável) que eu tinha fibromialgia e nem sei o que ia dizer mais porque a bruxa virou a cara como se eu fosse lixo e mais uma vez a outra mulher que tem mais ou menos a minha idade atacou-me. 

Eu não dei o lugar porque preciso dele. As pessoas não sabem mas eu sei. Eu tenho a doença, eu lido com ela todos os dias. Eu esforço-me 24 horas por dia para ter uma vida normal e fingir que não me dói da ponta do cabelo à ponta dos dedos dos pés.

Ninguém me defendeu porque a humanidade já se perdeu completamente. Eu era a má da fita. Num comboio cheio em hora de ponta ninguém se levantou para dar o lugar a uma pobre senhora que nem sequer pediu e eu fui a má da fita. 

Já agora, um facto interessante sobre a lei: os maiores de 65 anos só têm prioridade aos lugares se demonstrarem incapacidades físicas e/ou mentais. Isto parece irónico porque eu não apresento sinais físicos de doença mas isto é só para saberem a lei. 

Eu não cheguei e exigi um lugar. Apenas fui mais rápida, estava no meu direito. Vocês que conhecem um bocado sobre mim sabem que eu tenho sentido de solidariedade. Gosto de ajudar as pessoas. 

Hoje fizeram-me sentir pequenina, pequenina, pequenina. 

Escusado será dizer que fui a viagem toda a chorar e a soluçar em silêncio sem me conseguir controlar. Tive meia hora a chorar sem parar porque na minha cabeça não me fazia sentido ser injustiçada daquela forma quando as pessoas nem sabiam o que estavam a dizer.

Eventualmente acalmei-me (com ajuda da mamã; sou uma mimada) e preocupei-me com as aulas. O dia passou e eu já não choro mais mas é um sentimento de revolta enorme que guardo dentro de mim ao saber que para o resto da minha vida as pessoas vão olhar e achar que sou saudável quando por dentro estou a batalhar tanto para não cair.

Estou cada vez mais desiludida com o ser humano. Quanto mais conheço dele, mais gosto do meu cão.

Mas não liguem, esta gente nova é que é mal educada. 

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