"Já experimentaste fazer yoga? Faz maravilhas pelo corpo!"
A parte que não nos explicam ou que, muito provavelmente, não sabem é que praticar esta espécie de "ginástica" nos obriga a alongar o corpo e mantermo-nos vários segundos em posições desconfortáveis e um tanto duvidosas.
Não me interpretem mal, eu sempre quis fazer yoga! Isto até, claro, ter instalado uma aplicação no meu tablet que me dava aulas grátis e bastante completas com diferentes sequências e umas tantas posições ditas básicas. E seriam ridicularmente fáceis não fosse o caso de eu ter (sim, adivinharam) fibromialgia.
Deixem-me explicar-vos. Neste momento estou a passar uma pequena (espero) temporada em casa graças às maravilhosas dores da fibromialgia que me fazem sentir como se tivesse sido atropelada por um comboio. Sim, é tão agressivo como digo. Portanto, por indicação dos médicos especialistas decidi que seria uma óptima oportunidade para tentar melhorar através de técnicas naturais e alternativas que só podem fazer bem ao nosso corpo.
Liguei a aplicação. Escolhi obviamente a aula mais fácil e pequena e carreguei para começar. Uma senhora com uma voz incrivelmente relaxante começou a falar e a explicar-me o que deveria fazer com o auxilio de fotografias com as respectivas posições. Parecia fácil. Tinha que me sentar de pernas cruzadas e costas direitas. Enfim, nada de mais.
Até aqui tudo bem. Ela lá mudou de posição e eu tentei imitar da minha forma desengonçada e descoordenada como toda a gente já conhece. Mas o que interessa é que estava a tentar. Dei o melhor de mim para me tentar sentir melhor e de início pensei: "bem, acho mesmo que consigo dar cabo disto na boa".
Errado.
As poses eram fáceis. Os tempos para aguentar eram aceitáveis. Não havia nada que uma pessoa normal não pudesse fazer. Era básico e relaxante. Excepto para mim.
Confesso que me comecei a rir com a minha própria desgraça ao tentar suportar o peso do meu corpo numa prancha e a cair de seguida apenas porque o meu pulso não fazia a mínima força sem me doer como se estivesse partido (não está).
Tentei outra vez. Um bocado atrasada no meu timing e tal mas continuei a fazer o que a simpática senhora relaxante dizia. Só que ela decidiu complicar como se ainda não estivesse satisfeita com as minhas figuras tristes. Era preciso começar na posição de "downward dog" - confesso que não sei a tradução para português sem fazer o nome parecer ridículo - e estava-me a aguentar minimamente bem quando ela muito calmamente me diz para levantar a perna esquerda e esticá-la lá atrás o máximo que podia.
Ora, quem me conhece sabe que para além de ser extramemente descoordenada também não tenho a elasticidade que tinha quando andava no ensino básico e mesmo aí não conseguia fazer a avaliação de elasticidade sem parecer uma falhada no âmbito físico.
Manter uma perna estendida no chão enquanto a outra se erguia atrás de mim também esticada seria um verdadeiro desafio. Numa súbita vontade de provar a mim mesma, e à gravação relaxante de como não sou uma desistente, fiz o que ela disse e aguentei uns poucos segundos a tremer. Então ela decidiu que eu devia levantar a perna direita desta vez. Estão a imaginar a cena certo?
Para além disso, tenho uma fantástica habilidade de deslocar os membros do meu corpo momentaneamente sempre que me movimento de uma forma mais complexa. Ainda há dois dias baixei-me para apanhar qualquer coisa do chão e quando me levantei outra vez senti uma dor aguda no meu ombro e os músculos todos presos como se tivesse acabado de me desmontar toda.
Portanto, nisto tudo a grande lição que tenho para dar a todas as pessoas que não se cansam de me sugerir yoga, ginástica, pilates e outras coisas tais: simplesmente não dá.
Com isto não quero dizer que não vou voltar a tentar (sou demasiado teimosa para isso) ou seguir outros conselhos de terapias alternativas para conseguir descobrir algo que efectivamente resulte.
Mas neste momento, deixem-me dizer-vos, a única posição de yoga que consigo fazer é aquela que envolve estar deitada de barriga para cima sem mover um único músculo. Essa existe, certo?!
Cheguei àquele ponto da minha vida que temia. Aquele em que quero continuar a lutar e ser alguém mas estou fisicamente incapaz de o fazer.
Piorei. À primeira vista não parece nada, continuo a parecer tão normal como qualquer outra pessoa. Não é que eu seja anormal, porque não sou embora me sinta como tal muitas vezes. O que importa aqui é aquilo que se passa no interior. Aquilo que ninguém vê.
Por exemplo, eu adoro o meu trabalho. Sinto-me verdadeiramente em casa. Gosto realmente do que faço e não há razão para ficar triste ou não querer estar lá. Daqui a pouquíssimos meses vou deixar a empresa com muita pena minha e o coração partido e deixa-me tão frustrada saber que estou a perder os últimos momentos, que tenho naquela família, em casa e na cama.
Eu tento levantar-me e mexer-me. Arrumo o quarto, tento sair de casa para andar porque, quem sabe, pode ser que isso resulte e eu fique melhor. No entanto nada do que eu faça parece resultar. Os medicamentos não funcionam, os médicos não ajudam e ninguém me dá respostas ou soluções para combater isto. Estou farta!
Nunca pedi isto. Nunca quis que a minha vida ficasse condicionada desta forma ou que o meu futuro fosse destruído. Os meus sonhos morreram, as minhas ambições roubadas. Estupidamente ainda continuo a sonhar e a ter esperança mas nada disso me vale de nada quando à minha frente tudo o que eu tento construir é imediatamente albaroado por uma enorme bola de demolição.
Eu vou continuar a lutar. Não tenho outro remédio. Mesmo que quisesse desistir isso não seria opção. Eu quero acreditar que existe um lado bom no meio de tudo isto, que virá a bonança depois desta terrível tempestade.
Eu só me queria sentir verdadeiramente bem nem que fosse por uns minutos. Queria poder mostrar a toda a gente como posso dar 100% a trabalhar ou a fazer qualquer coisa que eu me comprometa a fazer porque eu sei que consigo. Só que quando ao mesmo tempo me sinto como se me estivessem a apulanhar ou a pontapear em cada centímetro do meu corpo sem aviso... Aí fica mais complicado.
Eu só preciso de parar a dor. Se eu a conseguir parar tudo vai ser tão mais fácil a partir daí. Só preciso disso.
Entre conversas cruzadas, chamadas automáticas e choros desesperados aqui estou eu. Sentada numa cadeira de rodas com uma manta nas pernas para não apanhar frio e a questionar o propósito da minha vida enquanto uma jovem de 22 anos que parece estar num corpo de 80.
É só mais uma daquelas noites no hospital. Só mais umas quantas horas de espera porque existem centenas de doentes e apenas dezenas de médicos. Cada um com o seu problema, cada um com as suas dores. Vejo-os entrar e sair, apresentar as senhas, procurarem o gabinete X para a senha daquela cor. Estão todos em constante movimento, até mesmo aqueles que esperam. Se pararem dão em doidos com a quantidade de tempo que têm de aguardar pela noite dentro. Ouço os mesmos nomes serem chamados vezes sem conta mas ninguém que se levante e responda à chamada. Os outros vão-se remexendo, tentando arranjar uma forma de suportarem melhor a dor, gemendo, gritando, chorando.
É esta a realidade aqui dentro. O ar guarda aquele clima de incerteza, de desespero. Cada pessoa que aqui está tem algo diferente embora todos sofram. Ao ver uns quantos entrar de maca praticamente inconscientes sinto-me culpada por aqui estar. Talvez as minhas dores não sejam tão urgentes para justificar a minha presença. Talvez devesse ter ficado em casa e dar a vez a quem realmente precise. Mas eu preciso.
A dor apoderou-se de mim como a neve apodera a Antárctida. Sinto-me como se me esventrassem as pernas com força e me partissem os dedos, um por um muito lentamente para me fazerem sofrer. Não me sentia tão mal há imenso tempo. Pensava que os medicamentos ajudavam, que impediriam que isto acontecesse e tudo correu bem até agora. O corpo luta contra si próprio e aqui não há vencedores. Perguntam-me: "onde é que dói mais?" E eu só quero dizer que é em todo o lado, como se um camião me tivesse passado por cima. Mas eles nunca acreditariam em mim.
À primeira vista estou calma e não pareço nada com alguém que esteja a sofrer. Em tempos, houve uma enfermeira que me julgou por uma drogada. Como é que se explica a alguém saudável que já estou tão habituada às dores que posso chegar ao 10 numa escala de 1 a 10 apenas com um pequeno gemido? Continua a doer. E dói demasiado. Dói em pé, sentada e deitada. Dói com e sem roupa. Dói a todas as horas, minutos e segundos.
Por isso hoje é mais uma daquelas noites. Qualquer dia mudo a minha morada para o hospital Fernando Fonseca, afinal isto já é a minha segunda casa.