Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cronicamente Fabulosa

Tenho fibromialgia, mas também sou fabulosa e esta é a grande aventura que é a minha vida.

Cronicamente Fabulosa

Tenho fibromialgia, mas também sou fabulosa e esta é a grande aventura que é a minha vida.

O nosso próprio inferno.

por AF, em 16.09.20

Sabem aquela sensação de estar a viver a mesma situação vezes e vezes sem conta sem poderem fazer nada, sabendo que estão constantemente a ser torturados com a dor física e psicológica que vem com toda aquela imagem? 

Há quem diga que ando a ver demasiado a série da Netflix Lúcifer mas tenho vindo a aperceber-me que por mais que eu tente mudar as coisas para o positivo, o útil é o proactivo, volto sempre ao mesmo sítio. Àquele momento inicial em que me sinto em baixo por coisas que nem sei desvendar e o meu corpo, oh se eu pudesse explicar o quanto ele me tortura. É isso que me faz sentir o inferno na terra. 

No último ano e tal, envolvi-me num objectivo de vida que seria tirar um curso de especialização tecnológica em gestão de turismo e a partir daí trabalhar em algo que me dates fizesse até poder seguir o meu sonho de psicóloga criminal. Aqui gostaria de fazer um aparte para agradecer a nada mais nada menos que à Joana Amaral Dias que reforçou esse meu sonho ao escrever no livro que tenho dela "para a minha futura colega Filipa".

Acontece que entretanto apareceu o COVID e toda aquela história sobre acabar o curso e o estágio é rapidamente arranjar um bom trabalho estável e com um ordenado decente ficou para trás. Estamos todos no mesmo barco. Todos a ficar doentes e sem dinheiro e sem sítios para nos virarmos ou um lugar onde cair mortos. Aqui diria que isto passa a ser o inferno colectivo na terra.

Na série que ando a ver, as pessoas que acabam no inferno são pessoas que sentem culpa por qualquer coisa má que fizeram e vivem essa situação repetidamente mexendo com a mente deles da forma mais macabra e demente possível. Mas que posso eu dizer, é o inferno certo?

No meu caso, eu não sinto culpa de qualquer depressão ou fibromialgia que possa ter mas continuo todos os dias a passar pelo mesmo. Não durmo e quando eventualmente adormeço só tenho pesadelos que me impedem de descansar; ando constantemente física e psicologicamente cansada porque estou a deixar de ver aquela luz ao fundo do túnel brilhar como antes; sou uma inútil. Trabalho a partir de casa de pijama, sentada na cama e a desejar cair para o lado a dormir porque tento ao máximo concentrar-me e isso drena-me toda a energia (que já é quase zero); não consigo ajudar nas tarefas domésticas como devia e aí sim sinto-me absolutamente culpada porque quando se vive em família, todos devem ajudar um bocadinho. De vez em quando lá ajudo com a roupa e ponho a mesa, tiro a louça da máquina, mas será que isso chega? Não.

Quero ser uma adulta funcional. Tenho 26 anos, porra! E sinto-me como uma adolescente de 14 que ainda está a lidar com os problemas da puberdade. Só que estes são um bocadinho diferentes.

Eu tento sair para ver se isso cura a minha incapacidade de lidar com a fibromialgia e sei que muita gente pensa que eu não sinto dores quando saio porque caso contrário não saía não é? Mas eu sinto é forço-me a ir para não ficar na rotina que é uma espiral autodestrutiva e eu sei muito bem onde essa espiral acaba porque já lá estive uma vez. Prometi a mim mesma, à minha família, aos meus amigos e aos meus médicos que não voltaria a estar lá.

Quando saio tento estar animada como a Filipa maluca que todos conhecem mas honestamente perdi a vontade de ser assim. Ultimamente não me apetece socializar ou falar com pessoas, seja pessoalmente ou pelo telemóvel. Perdi a necessidade de atenção porque para quê ter atenção quando não posso desfrutar dela? 

Estou bastante negativa, não vos vou mentir. De vez em quando tropeço e caio em poços fundos que me puxam para a escuridão e para coisas que não quero sentir mas eu tento sempre agarrar-me à pedra com as mãos. Começo a ficar cansada de ser puxada e não fazer ideia de como evitar cair.

Quando me deram alta achavam que eu estava preparada para a vida, para enfrentar os meus problemas mas nunca me deram ferramentas para enfrentar este monstro dentro de mim que não tem cura e anda agarrado às minhas costas 24 horas por dia. Se eu merecia o inferno, posso dizer que estão de parabéns porque é definitivamente a pior tortura que eu poderia aguentar.

Eu não acredito no céu nem no inferno. Nem no diabo, nem no Deus que a maioria das pessoas acredita. Por isso isto para mim é uma metáfora interessante e irónica de falar. Só que neste momento é a única forma de exprimir por palavras o que me vai na alma. 

A única forma de escapar ao meu próprio inferno e tentar encontrar um bocadinho de paz. Acho que até eu mereço isso. 

VLOG: D para Depressão.

por AF, em 27.07.20

 

 

Sufoco.

por AF, em 13.07.20

Estou há dias a sentir um peso no meu peito, um sufoco que não me deixa respirar.

Estou a tentar ser forte e lutar para ser a menina boa que todos querem que seja mas ao mesmo tempo eu só quero ser eu sem ser julgada por isso. É o que tento fazer sempre não é? Que os outros se orgulhem de mim e que vejam que eu consigo estar à altura. Mas eu não estou, eu não sou capaz.

Se me perguntassem no ano passado ou em qualquer dia da minha vida anterior a este momento desde que comecei a ter os meus problemas a resposta seria a mesma. Eu não quero estar aqui, eu quero desparecer. Mas depois começam as questões de magoar a minha família e destruir a vida das pessoas, entre outras. "Tens que pensar nos outros, não podes pensar só em ti."

Honestamente não me lembro de um dia em que eu não pense nos outros. No que posso ou não fazer, no que posso ou não dizer para magoar alguém, para chatear alguém. E estou cansada de fingir e cansada de não poder ser sincera porque tenho medo. 

A verdade é esta. Eu tenho uma depressão, eu penso todos os dias em morrer e olhar para o espelho dá-me nojo porque eu detesto a pessoa que sou. Não quero esconder a verdade só porque temos que ter cuidado com o que partilhamos com os outros na internet. Só porque não queremos que pensem que nos estamos a fazer de coitadinhos. Eu não sou nenhuma coitadinha, eu deito-me todos os dias na cama que faço. Mas eu tenho direito a desabafar.

Tenho direito a abrir o meu coração para eliminar um bocadinho que seja do sufoco que vivo todos os dias e que toda a gente me diz que não tenho direito a ter porque tenho uma vida melhor do que muitos que vivem com nada. Desculpem-me se sou assim. Se um dia a minha cabeça decidiu dar um clique e ficar de pernas para o ar. Eu não faço por mal, não faço para vos magoar ou enganar ou manipular ou qualquer coisa de mal que possam achar de mim.

Aprendi há um tempo atrás que quando queremos mudar, a mudança vem de dentro. Mas eu não consigo mostrar resultados de mudança se estou a tentar descobrir o caminho certo no meio de uma estrada cheia de ramificações e cada um que escolho é sempre o errado. Eu tento mudar todos os dias. Ninguém vê, ninguém entende, mas eu tento.

Quando penso que seria melhor estar morta é porque acho que popuaria a muita gente a constante preocupação e desilusão em relação a mim. Desperdicei parte da minha vida a sofrer com algo que não se entende, a ser alguém que é fria e má e não quer estar perto da família.

O meu problema são as pessoas, não é a família. Não posso continuar a sentir-me culpada por me divertir quando saio com amigos e por chegar a casa e refugiar-me no meu canto. Não posso continuar a tentar remar para algum lado enquanto o barco se afunda cada vez mais. 

Não, eu não me vou suicidar. E embora tenham medo desta palavra e não gostam de a ouvir, eu sou uma pessoa suicida. Não activamente, porque não estou a planear e a executar esse acto, mas eu penso todos os dias em formas, em momentos, no meu funeral, na roupa que gostaria que me vestissem, nas cartas que precisaria de escrever, nas pessoas que se iriam despedir de mim. 

Sei que isto parte o coração a qualquer pessoa que goste de mim e que leia e que ao mesmo tempo provoque raiva e revolta porque eu não aproveito a minha vida mas eu não posso aproveitar algo que sinto que não exista. Os momentos esporádicos em que puxam por mim e me levam a viver e a provar a liberdade fazem-me sentir bem, fazem-me sentir eu. Mas não é por isso que a depressão sai de mim, não é por isso que eu fico magicamente bem. Eu batalho com isto há anos e não é agora que ela se vai embora só porque eu lhe digo.

Não me vale de nada continuar a trabalhar no duro para que as pessoas se orgulhem de mim quando só vêem o mal que eu tenho. Eu não faço nada, eu não ajudo em casa em nada e se ajudar isso não conta porque não é um acto de tentar ser melhor é só uma obrigação. Eu sou má pessoa. Eu aparentemente não gosto da minha família. Eu sou uma vergonha. Eu sou uma desgraça. Eu não presto.

Estou cansada de deixar estas palavras dentro do meu peito a ecoarem vezes e vezes e vezes sem conta, a magoarem-me a tornarem-me cada vez mais fria e revoltada. Não, eu não sou a criança querida e "brilhante" que em tempos fui. Nem nunca mais vou ser. Eu mudei. Eu vi muita coisa acontecer que me fizeram mudar de opinião, que me fizeram tornar naquilo que sou hoje. Eu não sou perfeita, muito pelo contrário eu devo ser uma das pessoas mais estragadas que existem e tenho culpa de tanta coisa que se passa comigo. Tenho culpa de respirar.

Espero que este texto não seja lido por muita gente. Espero que não seja lido por ninguém. Ao contrário do que se pensa criei este blog para poder desabafar à vontade sem tabús, censuras ou floreados. Tenho muito mais para dizer mas a minha cabeça já não funciona mais. 

Acabo o meu estágio daqui a dois meses e sinto-me incapaz de cumprir o que esperam de mim. Tenho a vida de pernas para o ar (porque aparentemente sou eu que quero isso) e não consigo fingir mais. Não consigo mentir que estou bem e que se pode ser normal quando não estou e quando não consigo. Eu não sou normal. Eu tenho problemas psicológicos, sérios que não vão passar agora, nem em breve.

Quando me vim embora do hospital para fazer o curso, a minha mãe disse-me que era demasiado cedo e eu devia tê-la ouvido. Não ouvi porque achei que ia orgulhar a minha família e ia arranjar trabalho depressa para poder seguir a minha vida. Mas passei mal durante o meu curso inteiro, voltei a sentir-me o E.T. que sempre senti. Tive ataques de pânico várias vezes e fui gozada por isso, porque achavam que eram birras. As pessoas achavam-me ridícula. Nunca me disseram nada cara mas eu sei que achavam. Mas elas também não sabiam que enquanto se riam de mim eu estava sentada no vão das escadas a olhar para o espaço entre todos os andares e a considerar saltar. Faltou-me a coragem de todas essas vezes. Se calhar não devia ter faltado.

Ou se calhar devia e é suposto eu estar aqui a sofrer e a fazer por mudar, não pela forma que é suposto mas pela forma que para mim me é mais confortável e me faz ver uma saída. Os outros não são os monstros, o monstro aqui sou eu. Sempre fui e se dizem que não fui então eu digo que me tornei. Eu não quis tornar-me num monstro, nunca quis ser como sou, como fui ao longo da minha vida, mas aqui estou eu com quase vinte e seis anos a admitir que eu não sou boa pessoa, que sou fria, que sou antisocial e que sou um monstro.

Tudo para dizer que no fim vou ficar sozinha como sempre disse que ia ficar. Não por culpa dos outros mas por minha. E não tem mal, eu sempre disse em cada discussão que tinha no curso que eu me punha a jeito. Mas também sempre disse que nunca voltaria atrás nas palavras que eu dizia porque isso seria mentir e se eu sentia eu tinha que as dizer. Hoje digo estas palavras porque elas representam os sentimentos mais profundos do meu coração, que é feio, está preto e corrompido.

Mas eu também sou humana. Eu também sinto. E se todos os outros tiveram o direito de errar, de decidir a vida deles e fazer as próprias escolhas então eu também tenho. E eu até posso não conseguir hoje porque me faltam as forças e me faltam as oportunidades mas quando as fizer, não será por isso que sou má. Má já eu sou. Mas deixem-me ser má e livre, sem chatear ninguém. É tão mais fácil assim.

E no fundo peço desculpa às susceptibilidades feridas com as minhas palavras porque efectivamente as palavras doem mas eu também tenho muita dor no meu coração que não é aceite e não é entendida. Eu não peço que ninguém me entenda. Também não peço que ninguém que ajude porque eu sou mulher o suficiente para assumir o que sou, os meus erros e saber erguer-me sozinha.

Mas isso não será hoje. Talvez amanhã.

Um update, felicitações e agradecimentos

por AF, em 25.05.20

 

O nosso segredo inicial (ou seja, como o meu regresso)

por AF, em 25.05.20

 

Adeus.

por AF, em 19.01.20

Hoje é o último post que escrevo neste blog.

Não sinto que faça qualquer sentido continuar a escrever porque não consigo ser regular, não tenho tempo nem cabeça para escrever e também porque acho que ninguém lê o que ponho aqui. Não tem mal, na realidade até nem tem muito interesse contar uma história que é igual a tantas outras.

Sinto-me triste. Não porque o abandono mas porque esperei muito mais da minha vida e continuo a lutar todos os dias por mais mas existe algo em mim, uma força maior, que continua a mandar-me para baixo e a obrigar-me a ser menos produtiva do que aquilo que eu gostava.

Hoje estou a estudar, a tirar um curso para poder trabalhar no futuro e estou a esforçar-me muito para sair-me bem, para não desistir e chegar a algum lugar. Mas ao fazer isso fico sem vontade ou energia para fazer coisas que eu gostaria tanto como explorar as minhas capacidades artísticas ou algo que as pessoas achem infantil porque o que realmente importa depois dos 18 anos é sermos adultos.

Não gosto de ser adulta, vou já confessar isto. Não gosto da obrigatoriedade de crescer e de ser responsável como a sociedade quer. É que eu nem posso decidir que tipo de vida posso ter, sou só um número como todos os outros que caminham neste mundo.

Também não gosto de acordar todos os dias com imensas ideias para fazer coisas e não realizar nenhuma porque estou demasiado esgotada. Já nem ler como lia consigo. Não consigo fazer nada das coisas que realmente me definiam, hoje em dia sou um zombie que fica mais de oito horas por dia com os olhos espetados num ecrã com o cérebro todo frito.

Mas mais uma vez não me queiram interpretar mal, não peço que entendam ou que mostrem pena porque isto é só um último desabafo. Guardo o meu blog comigo tal como guardo tudo o que sempre fiz e desisti. É uma pena, mas apenas não era para ser.

Não sei o que estou aqui a fazer, não sei qual é o meu propósito, em que é que é suposto eu ser boa. Não sei para quem é que estou destinada porque hoje em dia só consigo estar na minha bolha sem conhecer ninguém por isso é mais do que normal que fique um eremita para sempre.

E não tem mal.

Suponho que tenho que começar a conformar-me com isso.

E é isso, obrigado a quem leu e que a vida vos sorria.

Precalços.

por AF, em 08.12.19

Achei que depois de tudo o que tinha passado já não havia volta atrás e eu estava verdadeiramente diferente. Mas estava completamente enganada.

Celebrei demasiado cedo, é o que me parece. Aprendi tudo na teoria como uma boa menina e depois na altura de pôr em prática espalhei-me ao comprido e nem sei como. E só tenho a mim própria a quem culpar.

Parece que voltei outra vez ao início e que não sei nada, não entendo nada.  Sinto-me perdida.

Mudei a minha vida. Voltei ao activo, estou a lutar por mim e pelo meu futuro mas sinto-me exausta e sinto que não sou capaz. Todos os dias acordo a pensar que vou desistir e depois páro um momento para pensar e decido que vou viver um dia de cada vez.

Tenho errado muito. Todos os dias encontro uma nova maneira de errar e sempre que me empenho em resolver os meus erros e a arranjar formas de melhorar dou por mim a errar novamente e a falhar como sempre falhei. Vocês sabem o meu percurso, vocês entendem que me esforço e que não tenho desistido em melhorar mas quem me conhece só agora e me vê a errar pensa que eu sou apenas uma pessoa imatura, mimada e que quer tudo à sua maneira.

Não culpo ninguém por pensas assim. Há coisas em mim que são irritantes. Coisas que eu faço sem me aperceber que podem fazer qualquer um revirar os olhos. "Lá está ela outra vez". E isso é completamente justificado. Eu não só não me importo como dou razão a quem o fizer porque eu sei que ainda existe tanto para mudar.

Tenho que crescer como pessoa. Tenho que perceber que eu daqui não vou sair e que para ser feliz só posso mudar. Mas há tantas coisas... existe tanto a fazer que eu sinto-me cansada. E pergunto-me muitas vezes se valerá a pena.

Não me quero fazer de vítima para ninguém porque eu só estou na situação em que estou por minha causa. Tenho duas doenças que me acompanham mas não me podem vencer porque eu tenho que lutar contra as duas e agir como uma pessoa normal. Eu gostava tanto de ser uma pessoa normal, sabem?

Daquelas que não fica triste sem razão, que não faz fitas porque não consegue controlar as suas emoções e que não tem filtro nenhum naquilo que diz. Preciso de mudar, é isso.

Mas como?

Não é tão fácil assim mudar e tornar-me uma pessoa completamente diferente quando passei 25 anos da minha vida de uma determinada forma. Já percorri um longo caminho desde que comecei esta viagem toda e sei que progredi consideravelmente mas isto não é o suficiente.

Quero que saibam que, apesar de toda esta tristeza que me faz escrever isto, é importante lutar e esforçarem-se para melhorarem as vossas vidas e saírem de quaisquer buracos em que caiam.

A tristeza faz parte da vida. A dúvida acompanha-nos sempre. É normal eu sentir-me assim mas também é importante que eu neste momento perceba exactamente porque estou assim. É isso que me fará sair do fundo do poço que não é dos mais fundos onde estive.

A vida é uma coisa muito interessante. Vamos sempre pensar se valerá ou não a pena lutar tanto e provavelmente nunca vamos saber mas se não tentarmos é que não chegaremos mesmo a lado nenhum.

Vêem: progressos.

Há um ano atrás.

por AF, em 18.10.19

Sem título.jpg

Há um ano atrás a minha vida era diferente.

Eu estava a trabalhar num emprego que não me fazia feliz onde a cada dia que passava sentia a energia e vontade de dar o meu melhor abandonarem-me juntamente com a minha dignidade. Há pessoas que talvez não concordem mas há um ano atrás eu estava a pôr o meu trabalho à frente de tudo o resto na minha vida.

Há um ano atrás estava cansada de pessoas. Não conseguia lidar com quem me faltasse ao respeito. Respondia e irritava-me porque estava farta de ser pisada. Estava revoltada. Fosse com clientes ou colegas eu sentia que não havia ninguém que me entendesse ali. Ou em qualquer outro lado com quaisquer outras pessoas. Há um ano atrás eu sentia-me sozinha.

Há um ano atrás eu estava magoada. Não sabia porquê mas estava frágil. Sentia-me a cair num abismo onde eu não conseguia ver o fundo e sem paraquedas às costas. Chorava e sentia um enorme sufoco a tomar conta de mim, a tirar todo o ar do meu peito e a vida de todo o meu corpo.

Há um ano atrás eu tinha dores. Hoje também tenho mas há um ano atrás eu não aceitava que pudesse ser tão nova e sofrer assim. Continuo sem aceitar totalmente mas estou mais compreensiva. Naquela altura não aguentava viver, só existir. O meu corpo estava sempre a lutar contra mim. Eu andava completamente esgotada e tão cansada de ter dores tão fortes que só me apetecia desaparecer.

Há quase um ano atrás eu tentei desaparecer.

Não vale a pena esconder. Não vale a pena pôr-me com rodeios porque faz parte da minha vida e faz parte de quem sou hoje. Se há um ano atrás não tivesse feito o que fiz, certamente não estava onde estou hoje. Há um ano atrás tentei-me suicidar.

E depois encontrei a luz.

Um hospital, um serviço, um grupo.

Há dez meses atrás eu entrei para uma família. Uma família que só existia ali, onde eu podia ser o mais verdadeira possível e falar de tudo sem medos. Onde descobri tanto sobre mim e sobre o mundo, tanto sobre a vida. Um lugar onde me encontrei, onde percebi o que eu gostava e que não gostava. Onde pus em marcha a minha própria revolução contra quem eu queria pelas razões que eu queria e ser perdoada por levar as coisas para extremos. Foi onde eu aprendi a acabar de tricotar um cachecol, a fazer uma caixa em dobragem de papel, a costurar, a fazer coisas deliciosas e acima de tudo a perdoar. A perdoar-me a mim própria, a perdoar o mundo e a perdoar o passado.

Há um ano atrás eu sentia-me perdida. Hoje sinto que me encontrei.

Hoje tive alta. Despedi-me das pessoas, percebi que já não faço parte daquela família e que posso dizer adeus mas não faz mal porque há coisas e pessoas que não são o destino, são apenas a viagem.

E apesar de saber que tenho um longo caminho pela frente e tanta coisa ainda para resolver dentro da minha cabeça - um novelo tão grande e emaranhado que eu própria não sei todos os problemas - que posso demorar uma vida inteira a chegar lá; eu sei que vale a pena.

Eu sei que eu estou aqui e que posso vencer. Posso ser eu própria porque eu tenho valor. Posso fazer as coisas que gosto e aprender novas coisas que também gosto. Posso dizer que não e posso ser assertiva sem ter que ser agressiva. Posso compreender que existe bom no mau e mau no bom. Posso aceitar que nem sempre a vida vai ser justa e que me vou magoar muitas vezes mas que é bom chorar e libertar os sentimentos para não os acumular e torná-los piores. Posso ser alguém. Posso ser feliz.

Não quer dizer que faça todas estas coisas ou que de repente esteja completamente curada e uma pessoa totalmente nova mas há um ano atrás eu não era assim.

Há um ano atrás eu não sabia quem sou e hoje sei que sou a Filipa.

E para mim isso basta.

Preconceitos.

por AF, em 02.10.19

Pela primeira vez na minha vida fui alvo de preconceito. Sempre tive sorte em não ser discriminada, sou uma mulher branca heterossexual num país relativamente desenvolvido. Acho que me safo bastante bem no que toca a preconceitos por isso não estava de todo à espera do que me aconteceu hoje.

Todos os dias utilizamos os transportes públicos para chegar onde precisamos. Eu apanho todos os dias o comboio para o mesmo destino da mesma forma que milhares de pessoas o fazem. Entro, vou para o sítio mais livre de pessoas (claustrofobia é lixada) e sento-me num lugar vago ou fico em pé à espera que alguém saia nas próximas estações. Acho que a maioria das pessoas faz isso, não é nada de especial.

Hoje ia em pé, entretida a jogar pokémon go, quando uma senhora se levantou para sair. Eu aproveitei e sentei-me porque vocês estão fartos de saber o que passo todos os dias com o meu corpo. Acordo cansada, deito-me cansada, tenho dores, o corpo pesa, etc. É normal, eu tenho fibromialgia. 

Sentei-me num lugar que não era prioritário. Sentei-me porque apanhei a oportunidade, porque queria e acima de tudo porque precisava. Só que isso não importa para nada, não é?

Como eu pareço uma pessoa perfeitamente saudável tive logo que ouvir uma troca de comentários desagradáveis de duas mulheres com idade para terem juízo. "Sinceramente", "isto realmente", algo do género as pessoas não têm a noção.

Eu respondi, com educação e a voz baixa que lá por ser nova não significa que não precise do lugar apesar de não me terem sequer deixado acabar a frase. Fui atacada como se tivesse acabado de cometer um crime atroz, mandaram-me calar, humilharam-me e mandaram-me voltar para o meu jogo como se eu fosse uma criança.

Tentei explicar à senhora, que directamente queria o lugar só porque é mais velha (apesar de também parecer saudável) que eu tinha fibromialgia e nem sei o que ia dizer mais porque a bruxa virou a cara como se eu fosse lixo e mais uma vez a outra mulher que tem mais ou menos a minha idade atacou-me. 

Eu não dei o lugar porque preciso dele. As pessoas não sabem mas eu sei. Eu tenho a doença, eu lido com ela todos os dias. Eu esforço-me 24 horas por dia para ter uma vida normal e fingir que não me dói da ponta do cabelo à ponta dos dedos dos pés.

Ninguém me defendeu porque a humanidade já se perdeu completamente. Eu era a má da fita. Num comboio cheio em hora de ponta ninguém se levantou para dar o lugar a uma pobre senhora que nem sequer pediu e eu fui a má da fita. 

Já agora, um facto interessante sobre a lei: os maiores de 65 anos só têm prioridade aos lugares se demonstrarem incapacidades físicas e/ou mentais. Isto parece irónico porque eu não apresento sinais físicos de doença mas isto é só para saberem a lei. 

Eu não cheguei e exigi um lugar. Apenas fui mais rápida, estava no meu direito. Vocês que conhecem um bocado sobre mim sabem que eu tenho sentido de solidariedade. Gosto de ajudar as pessoas. 

Hoje fizeram-me sentir pequenina, pequenina, pequenina. 

Escusado será dizer que fui a viagem toda a chorar e a soluçar em silêncio sem me conseguir controlar. Tive meia hora a chorar sem parar porque na minha cabeça não me fazia sentido ser injustiçada daquela forma quando as pessoas nem sabiam o que estavam a dizer.

Eventualmente acalmei-me (com ajuda da mamã; sou uma mimada) e preocupei-me com as aulas. O dia passou e eu já não choro mais mas é um sentimento de revolta enorme que guardo dentro de mim ao saber que para o resto da minha vida as pessoas vão olhar e achar que sou saudável quando por dentro estou a batalhar tanto para não cair.

Estou cada vez mais desiludida com o ser humano. Quanto mais conheço dele, mais gosto do meu cão.

Mas não liguem, esta gente nova é que é mal educada. 

Primeiros Dias.

por AF, em 30.09.19

 

Há sempre uma primeira vez para tudo.

É um facto que estamos fartos de ouvir. Já é até uma frase feita, um cliché que evitamos dizer mas que acabamos sempre por deixar escapar por entre os nossos lábios. Há a primeira gargalhada, a primeira palavra, os primeiros passos, o primeiro dente. Existe o primeiro dia de escola, a primeira queda de bicicleta, a primeira negativa ou o primeiro excelente no teste. A primeira paixão, o primeiro desgosto, a dita primeira vez. O primeiro trabalho, o primeiro salário.

Se continuasse a dizer todas as vezes em que temos uma primeira vez nunca mais saía daqui. A vida é feita de "primeiras vezes" e quanto mais arriscarmos nela, mais primeiras vezes temos.

Dito isto, hoje foi o meu primeiro dia no curso que vai mudar a minha vida.

Digo mudar a minha vida porque esta etapa representa o meu regresso ao activo. Significa que estou a tirar as rodinhas da bicicleta, a pôr os pés fora do hospital e a tentar seguir com a minha vida.

Não vos posso garantir desde já que vou ultrapassar tudo como uma campeã olímpica e muito menos vos posso prometer que a partir de agora sou a pessoa mais feliz do mundo porque nada disso vai acontecer. Mas (e foquem-se no mas) eu vou esforçar-me para nunca desistir e lutar com todas as minhas forças para alcançar os meus objectivos e lutar contra os obstáculos.

É claro que para isto tenho que fugir ao registo de definir objectivos impossíveis de atingir e ser um bocado mais realista mas isso são outros quinhentos.

Para já tive o meu primeiro dia de regresso à escola. Já não me sentia assim há pelo menos sete anos, pareço uma adolescente outra vez. O que é bom porque sinto a parte boa de ser adolescente, pelo menos a parte que eu mais gostava que era estudar. O que posso dizer, sou uma marrona por natureza.

Já percebi que tenho alguns desafios pela frente como o facto de ser envergonhada e de ter um certo medo de falar com as pessoas. Quero dar-me bem com toda a gente e acredito que eles até gostem de me aturar depois de me conhecerem embora, para já, não vou dar muita importância a isso.

Outro desafio é o cansaço. Espero que ao habituar-me a uma nova rotina ele vá desaparecendo e o meu corpo decida aceitar que quem manda aqui sou eu! Caso contrário vou apresentar imensas reclamações por escrito - como faço aqui desde o início do blog - e vou continuar a ser ignorada por ele porque é assim que funciona esta relação de amor-ódio.

Mas eu não desespero porque amanhã é outro dia que vou ter de encarar com a cabeça erguida e hoje é tempo de descansar. Se me deitar às nove da noite não estranhem, já sabem que nasci no corpo de uma senhora de noventa e cinco anos.

Oh, que tragédia!

 

 

P.S: Quem me dera que o corpo da senhora de noventa e cinco anos fosse daquelas que tomam o cogumelo do tempo e andam a correr e a saltar por todos os lados a pedir ao Tony Carreira para lhes fazer um filho. Só que não.

Mais sobre mim

foto do autor

Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D